O que agora vou contar
que parece não se crer
é uma briga de santo
não sou eu nem é você
não cabe açúcar nem sal
não bote colher de pau
pois quem botar vai morrer.
A desavença sagrada
vem de muito tempo então
a mesma cobra criada
que mordeu o pé de Adão
é uma estória primeva
contada por Dona Eva
do tempo da criação.
Um sentimento maldoso
nascido como uma erva
destruiu o paraíso
isento de nossa inveja
mas que agora no campo
contaminou até santo
três deles em pé de guerra.
São Pedro mais São Francisco
não se dão com São José
nunca se soube por certo
o teor do rapapé
só vejo bochincho assim
sem começo e sem fim
quando a briga é de mulher.
São José foi o primeiro
São Pedro veio depois
São Francisco é o mais novo
assim o tempo os dispôs
foi quebrada a hierarquia
virou tudo anarquia
cada um melhor que os dois.
São Pedro é o chaveiro
abre a porta que quer
São José intercessor
São Francisco homem de fé
o povo pede pros três
mesmo pedido se fez
como carta de melé.
São José é padroeiro
do povo que pede água
São Pedro não abre a porta
o inverno não deságua
o São Francisco carece
pois sem água emagrece
e brigando se faz mágoa.
São Pedro sempre esperou
que o povo lhe concedesse
a honra de ser maior
e que sempre recebesse
a oração do pedido
direto pro seu ouvido
era assim seu interesse.
São José por ser primeiro
o pai que foi de Jesus
entra em desespero
porque ele é quem conduz
o desejo dos pedidos
por São Pedro indeferidos
sem milho não há cuscuz.
O São Francisco que foi
um rio muito sereno
hoje é tão cobiçado
todo dia é mais pequeno
pois São José e São Pedro
brigando não sentem medo
vai São Francisco morrendo.
Como um filme que assisti
“Fé de mais não cheira bem”
vamos ter que descobrir
fazendo o pedido a quem
pois briga de santo é osso
em se botando o pescoço
não escapará ninguém.
Essa conversa de El Niño
o ciclo e suas eras
aquecimento do globo
e as marés da esfera
é tudo boi de piranha
apenas conversa estranha
comparada às três feras.
Agora falando sério
deixando a religião
esquecendo os três santos
sem precisar de perdão
somos nós que buscamos
a vida que aqui matamos
com nossa poluição.
O homem não sabe nada
a espécie arrebentou-se
a super população
aqui desequilibrou-se
e aqui com a mesma mão
aquela da criação
a si mesma aniquilou-se.
O rio da integração
este foi o seu mal
nosso rio São Francisco
se fazendo nacional
entregou-se com seu leito
abriu a todos o peito
e foi ferido a punhal.
Em nossos grandes jornais
culpamos agora o céu
culpamos os governantes
de civil a coronel
mas não se ouviu a ciência
nem mesmo a competência
escrita em voz de cordel.
O homem apenas vai
seguir com a incompetência
com passado e futuro
só pela conveniência
do poder que o satisfaz
que todo minuto a mais
lhe enche de onipotência.
Seremos um dia, secos
gravetos desidratados
quem sabe algum sulfeto
morto e sedimentados
passando um milhão de eras
seremos de volta pedras
eternamente calados.
Não vamos ter mais um santo
nem mesmo um São Francisco
nem São José nem São Pedro
nem um bode num aprisco
não vai ter eu nem você
nenhum cordel pra se lê
por isso neste me arrisco.
Nunca mais vou lhe encontrar
aceite um grande abraço
escrita que se parece
feita só de embaraço
se quiser deixa pr’um ET
este cordel pr’ele ler
tranque em caixa de aço.
_________________________
LITERATURA DE CORDEL
Por Marco di Aurélio
João Pessoa – Paraíba – Brasil
Junho de 2001