O que passo a lhes contar
É um fato ocorrido
Na cidade de Jaraguá,
Lá onde fui nascido.
Também era de lá
Aquele homem decidido,
Que sempre a trabalhar
Tornou-se bem sucedido.
Muita terra pra plantar,
Bom pai e bom marido.
Duas filhas ele tinha,
Ambas lindas e “donzelas”.
Do pai eram queridinhas,
As mais fofas e mais belas.
Eram também safadinhas
Longe do papai delas,
Aos peões da fazendinha
Davam suas piscadelas,
Pareciam duas galinhas
Desfilando na passarela.
A esposa do fazendeiro
Era um baita mulherão,
Foi tirada de um puteiro
Na cidade de Catalão,
Deixava qualquer guerreiro
Arriado, caído ao chão,
Casou-se pelo dinheiro
Para fugir da situação,
Saiu daquele vespeiro,
Madame tornou-se então.
Suas filhas gostosinhas
Na cidade foram estudar,
A pedido da mãezinha,
Que com elas foi morar.
Seu Nonato, na terrinha,
Continuou a plantar,
E todo mês a “caixinha”
Lá mandava entregar,
Para o estudo das pombinhas,
Não deixava nada faltar.
Sempre vinha da cidade
Uma carta cheirosinha,
Contando as novidades,
Como andavam as filhinhas.
E falava da saudade
Do marido e da terrinha,
E contava as qualidades
De suas duas santinhas:
Estudavam até tarde,
Descansar, só manhãzinha.
Seu Nonato orgulhoso
As notícias ia dar,
Saía todo jeitoso
Na fazenda a passear.
Sentia o perfume gostoso
Da musa do seu olhar,
Agradecia ao Poderoso,
Nada tinha a reclamar,
Sorridente e garboso
Ao Zé Guarida ia contar.
Zé Guarida, um mulato,
Safado e aproveitador,
Com a mulher de Nonato
Já tinha feito amor.
Flertava no anonimato
Com as filhas de seu senhor,
Já tinha feito um trato,
Sutil e digno de um traidor:
Logo faria um rapto
E fugiria pro exterior.
O plano foi traçado
Junto com a gazela,
Tudo bem planejado,
Ele fugiria com ela.
O velho seria roubado
Na grana e na donzela,
Zé, um grande safado,
Junto com sua bela,
No seu mundo encantado,
Cairiam na esparrela.
Fim de ano chegou,
Seu Nonato explodia.
Tanto tempo esperou
Para ter esta alegria.
Uma festa preparou
Para a sua freguesia,
Muita gente ele chamou,
Até sua velha tia,
Sanfoneiro contratou
Para animar a folia.
Antes da batucada,
Foi grande a desilusão,
A tristeza estampada,
Tamanha a decepção,
Chorava de madrugada,
Com uma carta na mão,
As linhas ali traçadas
Não tinham compaixão:
Suas filhas defloradas
Por um tal de João Picão.
Seu Nonato, derrotado,
O Zé Guarida procurou,
E contou-lhe acabrunhado,
O que com ele se passou.
Zé Guarida ouviu calado,
Nem o olho ele piscou,
Pois o que lhe era narrado,
Muito e tanto lhe interessou.
E o velhote, já cansado,
Sua história terminou.
-Seu Nonato, lhe confesso,
Estou cá muito arretado,
Mas uma coisa lhe peço,
Me aponte o desgraçado,
Que aprontou o insucesso
E deixou-lhe desonrado,
Pois tamanho retrocesso
Pra mim já tá condenado,
Não tem júri nem congresso,
Meu facão já tá amolado.
-Vá se embora, vá agora,
Chegue e pegue o danado,
Zé Guarida, olha a hora,
Já estás bem atrasado,
Pegue o rumo sem demora
E assassine o desgraçado,
Enfie-lhe o facão goela afora,
Depois corte-lhe o cajado,
Faça-o entender que quem deflora
Também pode ser deflorado.
-Não precisa se preocupar,
Meu senhor, se avexe não,
Veio aqui pra conversar,
E me tratou como um irmão,
Esta noite, sem faltar
Puxo o carro no estradão,
E sem medo de encarar
Esse tal de João Picão,
Que agora pode estar
No que é seu passando a mão.
Passados alguns dias
Outra carta recebeu,
Zé Guarida lhe escrevia:
João Picão se escafedeu,
Pelo país afora fugia,
E o dinheiro não deu,
Mandasse mais quantia
Para ele e para os seus,
Pois a barriga crescia
Das julietas sem romeu.
Dessa vez exagerou,
Pra acabar com o desgraçado,
Muito dinheiro mandou,
Inocente, o coitado,
Nem de longe imaginou,
Que era tudo planejado,
Que ninguém se engravidou,
E Zé Guarida, extasiado,
Quase não acreditou.
Com a grana embolsada,
Se mandou o casalzinho,
Para uma bela enseada,
Cheios de amor e carinho.
E as “donzelas” estudadas
Ficaram no bordelzinho,
Que em outra temporada,
A mãe fizera seu ninho,
E ganhou, com uma trepada,
Seu Nonato, otariozinho.