Quem vê os tombos que levo,
Não vê as pingas que bebo
Autor: Daniel Fiuza
22/02/2002
Guardadas na casa minha
Dez garrafas de cachaça
As melhores que eu tinha
Eu as destruí de graça
Toda minha coleção
Sem dó nem reclamação
Só por causa de pirraça.
Minha mulher ordenou
Pra delas eu me livrar
Foi isso que ela falou
Sem chance de reclamar
Ela queria na hora
Se não ela ia embora
E nunca mais retornar.
A cana há muito guardada
Que na pia irá escorrer
Era minha pinga marvada
Aguardente pra eu beber
Era uma reserva de valor
Que um amigo mandou
Nem sei como vou fazer.
Não podia argumentar
Ela estava irredutível
Eu tinha que derramar
Ou o castigo era terrível
Ficava sem ela na cama
É duro quando se ama
É uma coisa impossível.
Uma só garrafa cheia
Eu nem entrava no quarto
Nisso a coisa ficou feia
Doía mais do que parto
Tive que ceder pra ela
Pra não ter castigo dela
E nem morrer de infarto.
As dez garrafas eu levei
Com uma dor no coração
Na pia eu as empilhei
Começando a operação
Estava quase chorando
Com pena me lamentado
Xingando a mãe do cão.
A primeira eu esvaziei
Antes tomei um golinho
Sentindo algo pensei
Beber só um pouquinho
A cachaça era gostosa
De uma marca famosa
Era melhor do que vinho.
Na segunda bebi mais
O resto foi para o ralo
Essa coisa não se faz
Queria beber no gargalo
Achava um desperdício
Fazer aquele estrupício
De repente no estalo.
Eu derramei a terceira
Bebi no copo que havia
Para não fazer besteira
Joguei o resto na pia
Eu queria era beber
Mas eu tive que fazer
Aquilo que não queria.
Na quarta bebi na pia
No copo joguei o resto
O corpo já nem sentia
É nisso que eu me testo
Um pouco adormecido
Quase perco o sentido
E ela diz que não presto.
O quinto copo peguei
Na pia jogue a tampa
O que bebi eu nem sei
O resto desceu a rampa
A vista escurecendo
O fígado já me doendo
Amanhã ele não trampa.
Eu peguei a sexta pia
Bebi pouco sem trapaça
Um pouco no copo sumia
Eu nem achava a cabaça
Fui procurar no banheiro
Bebia sem muito exagero
Na pia no copo ou taça.
Da sétima ficou o resto
O copo eu joguei na pia
A cachaça estava perto
Eu bebia e não sabia
Não sei se só a metade
Para falar a verdade
Nem a língua eu sentia.
Joguei a pia oscilante
Dentro da garrafa oitava
Meu corpo cambaleante
Boiando no copo estava
Era só um mar de cana
Bebida muito bacana
Onde eu bebia e nadava.
Quando a nona pia joguei
No copo que estava plano
Bebi na garrafa até o meio
O resto desceu pelo cano
Vi a garrafa cheia de pia
E pela luz que me alumia
Pensei que estava insano.
A décima garrafa entornei
No copo que ali passava
Na pia cheia eu me atirei
Na pinga que ali boiava
Fui com ela para o ralo
Aproveitando o embalo
Sem nem saber se voltava.
Assim perdi cachaça
A aguardente não dá pé
Com pinga não quero graça
Prefiro o bicho de pé
Não passo sem furunfá
Deixei a cana pra lá
Mas conservei a mulher.