Limeira, por que me xinga?
eu só transmito o recado
do vovô, velho trubado,
sendo assim, de que se vinga?
Verdade que na caatinga
meio escondido na mata
transava cuma mulata
que era casada contigo.
Mas, faz tanto tempo, amigo!
(era gostosa sua gata)
Agora todos morreram
e você nada sabia,
contigo na cantoria
que felizes que eles eram!
Inda bem que os dois souberam
esconder a sua paixão.
"Olha, vem vindo o negão!"
sempre avisava tua mina
e meu avô, triste sina,
se ocultava no porão.
Se ocultava no porão,
longe de tua ira, Limeira,
desde a Santa Quinta feira
até o dia de São João.
Tu saias para a reunião
para cantar tuas loucuras
e meu avô as calenturas
apagava com Maria,
transavam de noite e dia,
eta jornadas impuras!
Eta jornadas impuras
também passou com tua prima
Anunciata. Pintou clima
no meio das amarguras.
Não sabia de finuras
meu avô naqueles anos,
quem sabe agora os enganos
que o levam a danação
prantam no seu coração
sentimentos mais humanos.
Sentimentos mais humanos
que aquele tempo não tinha
também transou tua madrinha
com amores quotidianos.
Naqueles tempos ufanos
em que construiram Brasília,
transava tua irmã Marília
e a Emengarda, apaixonada,
fazia ponto na estrada.
Eta bonita família!
Não tenho nada com isso,
eu sou o neto e sou casto,
e no amor, Zé, não me gasto
nem jogo fora meu viço.
Pois o amor é um desperdiço
e o sexo uma danação;
eu me dedico à oração
e estudar filosofia.
Qual a culpa que eu teria
dum avô tão garanhão?