Eu sou a bola da vez
A ponta da baioneta
O gorgulho do feijão
Ponto final da caneta
Eu tô na marca da cal
Nem tomando sorrisal
Vai passar minha careta.
Sou o rabo do cometa
O friozinho na espinha
Sou o saco de pancada
A casca da batatinha
Sou o leite derramado
Um olhar desapontado
Mão de areia na farinha.
E no rosto sou espinha
Também casca de banana
A falta de um agasalho
Eu sou o bafo da cana
Sou o perigo eminente
Sou a própria boca quente
A vergonha franciscana.
Sou a descrença que emana
Zero a esquerda aparente
Na confusa identidade
Nesse balanço demente
Sou o saldo devedor
Prego que tá no penhor
Da guerra sobrevivente.
Sinto-me muito descrente
Sou o grito no deserto
O reles papo furado
O fim do caminho incerto
Sou pão que caiu da mão
Manteiga virada pro chão
Sendo o errado do certo.
Somente dragões, desperto!
Do sonho sou à utopia
Sou o medo tenebroso
O desfecho da magia
Pão que o diabo amassou
Olhar cheio de horror
O medo dum novo dia.
Sou a ferida que ardia
Estou no bico do corvo
Perco-me na tempestade
Tô me acusando de novo
Sentindo amargor na boca
Eu tô dormindo de touca
Na vida me sinto estorvo.