Autor: Daniel Fiúza
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22/09/2004
Na vida fui engraxate
Contínuo e jornaleiro
Na bola fui peladeiro
Já me virei com biscate
Pra ter ao menos empate
E não me sentir perdido
Eu convivi com bandido
Me conservei sempre puro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Eu já colhi algodão
Fui garoto de recado
Pago pra fazer mandado
Pra ganhar algum tostão
Também já plantei feijão
Ensaquei arroz colhido
Penei por ser maluvido
Dormi com fome no escuro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Eu estrumava jardim
Aparava toda a grama
Juntava casco de brama
Vendia ao seô Joaquim
Pras vacas dava capim
Pra ganhar leite mugido
Um prêmio bem merecido
Pintava portão e muro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Quem lembra do escovão
E da cera dominó
Era trabalho sem dó
Pra quem encerava o chão
Eu fazia com paixão
Deixava o piso polido
Com espelho parecido,
Mas recebia com juro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Nas casas fazia entrega
Pra madame e pra doutor
Às vezes sentindo dor
No peso que se carrega
Na decisão muda e cega
De ter o dever cumprido
Nesse trabalho escolhido
Na ponta firme, sem furo
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
No lixo achava metal
Tinha muita coisa nobre
Ferro, alumínio e cobre
Revistas e muito jornal
Vendia pro pessoal
Ganhando nesse mexido
Um dinheirinho querido
Me salvando de apuro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Tomei conta de criança
Mesmo eu sendo uma
Sem ter responsa nenhuma
Fazia sem ter lambança,
Esse trabalho que cansa
Sem nunca passar batido
Eu duplicava o sentido
Hoje ainda gosto e aturo
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
No comércio trabalhei
Na vida fui vendedor
De venda fui promotor
Na rua muito andei
Na chuva e sol eu penei,
Com otimismo erguido
E o meu desejo atendido
Sempre pensei no futuro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Desde criança trabalho
Fui arrimo de família
Nessa dureza de trilha
Vivia para esse malho
Pra labuta sempre calho
No belo efeito sustido
Do meu viver mais garrido
Os empecilhos perfuro
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.
Já fui passado pra trás
Muitas vezes enganado
Na rua fui apontado
Quase perdi minha paz
Eu não esqueço jamais
Por um amigo traído
Por outros fui esquecido
Já me senti no monturo
Se não tenho o couro duro
Não tinha sobrevivido.