Nasci a 4 de Junho de 1939 e, ao cabo de 66 anos de vida, sinto-me de facto "Um verso tão só...".
Dueto
Casei a 13 de Outubro de 1970 na igreja matriz de Queluz com uma miúda cerca de 14 anos mais nova do que eu: uma delícia!
Terceto
A 16 de Setembro de 1971, em plena Serra do Songo - Cabora Bassa - nasceu minha filha Paula Ximenes, a qual faleceu no Porto abruptamente em Maio de 1974.
Quadra
Na Ilha de Moçambique e no tempo mais feliz de minha vida, a 24 de Fevereiro de 1974, nasce minha filha Cristina Ximenes. Tem nesta altura 31 anos e vive em Paris.
Quintilha
Minha mãe, Maria de Azevedo Torre, foi sem dúvida a pessoa mais influente e importante na minha existência física e espiritual. Ainda hoje é contorno primordial ao longo de meus dias.
Sextilha
Alberto Ferreira Pinto da Guia, meu pai, reveu toda a sua infância em mim. Por isso me proporcionou inesquecíveis tempos de menino feliz. Levou-me a tudo quanto era sítio para divertir crianças.
Sétima
Quando cheguei à Usina, depois de ter escrito largos milhares de versos, nunca até aí tinha utilizado a sétima como estrofe.
Oitava
Camões constitui a trave mestra da minha educação e cultura no versejo. Em versos decassílabos expostos em oitavas, escreveu o fabuloso cordel que, quanto a mim, são "Os Lusíadas".
Nona
Aparece e consta, apenas e a fim de que numericamente satisfaça a ordem crescente dos versos.
Décima
Escrevi algumas dezenas de fados, cantados por centenas de artistas, glosando a quadra em décimas, bem à moda de João Linhares Barbosa e em tradicional costume alentejano. Nuno de Aguiar interpretou com grande sucesso, na música do Fado Corrido, a "Fuga da Mariquinhas".
Eis então pois, presumindo que com cabeça-tronco-e-membros, o cordel da minha vida, algo que não se me sugeriria conceber sem a Usina, providencial mãezinha de todas as virtudes e defeitos.
UM VERSO TÃO SÓ... SOU EU !
Um verso tão só... Sou eu
E dueto fiz contigo
Do qual ainda bendigo
O terceto que irrompeu
Em flor com fruto teu
Vida da minha semente
Que em primor fluente
De novo mais floriu
No amor que produziu
A quadra sobrevivente
A quintilha sequente
Com mais um verso rimado
Obriga ao acrescente
Porque minha mãe ausente
É a fada do meu fado
Também ausente a seu lado
Meu pai surge iluminado
Pela intensa claridade
Que em memória rebrilha
E dá luz nesta sextilha
À minha grande saudade
Da sétima a utilidade
Sem uso antecedente
No versejo decorrente
Tomei-a em boa rotina
Pra bem lograr meu papel
Entre os magos do cordel
Que encontrei na Usina
Da lira assaz peregrina
De Camões bardo enorme
Sigo a norma conforme
A musa mulher-menina
Em oitava cristalina
Por redondilha-maior
Que foi estrofe divina
Do luso poeta-mor
Quanto à nona por melhor
Em recurso fora de uso
Aludo ao reabuso
Da rima que faz pior
Do que a emenda ao soneto
Pois considero careto
E até ideia péssima
Fazer ciúmes à décima
Sem saber no que me meto
Para terminar faceto
À moda do Alentejo
Onde o verso ao realejo
Merece praça e coreto
Desde já aqui prometo
Sobre o manto de Orfeu
À décima um jubileu
Com devoção permanente
E entregar-lhe penitente
Um verso tão só... Sou eu!
Assim, talvez esta esclarecedora fundamentação sirva de benéfico unguento para o autor - ou autora - do insultuoso mail que recebi e que no caso, além da inveja estupidamente revelada - infelizmente - sim, "não percebe mesmo nada disto". Entretanto, continuo a ficar surpreendido e a interrogar-me: como é possível que no Brasil, que é uma terra tão bonita e tão grande, haja gente tão feia e tão pequenina?
Tem graça que em Portugal, que é uma terra tão pequenina e bonita, também há gente tão grande de feia...