I
“ Eram duas irmãs que vieram ao mundo no mesmo dia,
mas uma foi dada à luz e a outra à escuridão;
Porque a primeira veio num lindo pôr-do-sol,
a outra?! Já era noite com tempestade, raio e trovão.
A primeira era linda, linda, linda...
Sua beleza foi notada assim que nasceu, no ato;
A irmã era totalmente contrária,
diziam que por isso sua mãe morreu após o parto.
Depois de alguns anos o pai fugiu
com vergonha da feiúra da criança;
Dizem que foi pra tão longe
que nem o vento o alcança.
As duas moravam na região amazônica,
num lugarejo qualquer à beira de um rio;
Ninguém sabe dizer ao certo onde era,
só que era num interior do Brasil.
A feiosa trabalhava na roça
alimentando as galinhas;
A bonita descansava e passeava,
nem calos na mão ela tinha.
Mesmo a feia tomando conta do jardim
era a bela quem ganhava buquê de rosas;
Mas a feiosa admirava a irmã,
não era nem um pouco invejosa.
A bela sentava-se à margem do rio e abria as pernas
satisfazendo a vontade do longo focinho do boto sabido;
A irmã, do outro lado do rio, enquanto ficava de quatro
um porco-do-mato se lambuzava embaixo do seu vestido.
E assim foram crescendo as duas meninas,
uma cada vez mais bela e a outra ainda mais feia;
Uma evitava sair da fazenda e olhar-se no espelho
e, quanto à outra, diziam que veio do rio aquela sereia.
II
A irmã bela, realmente era muito bela e com belos cabelos,
porém, não tão belos como os da irmã horrenda;
Esta tinha cabelos que brilhavam mais ainda à noite
reluzindo a luz da lua naquela escura fazenda.
Seus cabelos atingiam suas magras nádegas,
talvez fossem lindos para compensar o resto da feiúra;
Vendo a irmã tão feia pentear-se diante do espelho
a irmã bela se mordia de amargura.
Ela achava injustiça não ter cabelos assim,
convivia com esse desgosto;
A feia usava os cabelos para cobrir
os seios murchos e, principalmente, o rosto.
A bela era convidada para ficar sentada na praça
para tornar ainda mais belo o vilarejo;
Enquanto a irmã feia tirava leite do gado
para fazer o que a irmã mais gostava: queijo !
Para entrarem no rio a bela esperava a feia entrar
para primeiro espantar os jacarés;
Depois ela adentrava atraindo as garças
assim que molhava os pés.
E foram vivendo as duas: a bela esperando
que o rio trouxesse o seu grande pretendente;
A feia só pensava num dia
mergulhar naquelas águas para sempre.
Então, num dia que todos esperavam um eclipse solar
veio no barco à vapor, que vinha uma vez por mês,
um homem rico com ternura no olhar
e com a típica beleza dos reis.
Tal homem trouxe mais luz aos olhos da bela mulher,
pois era charmoso e se vestia de forma garbosa;
O forasteiro lhe despertava mais atenção
do que um pedaço de queijo feito pela irmã feiosa.
O homem queria esquecer um romance
que teve com a mais bela moça da capital;
Procurava ele ser feliz
nos braços da mulher mais feia daquele local.
Não foi difícil encontrar tal criatura,
a mais feia dos habitantes da cidade;
Ele não se espantou com a feiúra,
já a esperava para realizar sua felicidade.
Logo que foram apresentados
foi marcado o casamento;
A irmã bela viu ali
começar o seu tormento.
III
Mesmo sem ver todo o seu rosto
estava o homem decidido:
Naquele mês de agosto
ele se tornaria o seu marido.
Nem quis conhecer outras pretendentes,
inclusive a bela irmã de olhos azuis;
Escolheu justamente a que
no olhar não tinha nenhuma luz.
A bela viu seu sonho escorrer
entre os dedos da sua mão;
Por isso resolveu usar os mesmos dedos
para executar a sua salvação:
Cortar os cabelos da irmã para que o homem
visse o seu rosto com exatidão;
Seu plano iria iniciar
assim que começasse a escuridão.
Estava aberta a janela com a luz
acariciando os cabelos da irmã horrorosa;
Que, quem sabe, sonhava com o tal homem,
pensava a irmã invejosa.
Cortou fio por fio a longa cabeleira,
ao amanhecer, exausta, adormeceu;
A feiosa acordou e viu a irmã com a tesoura
e demorou a entender o que ocorreu.
Mais uma vez admitiu o ato da irmã
mesmo sem compreendê-lo;
Dela foi tirado a única coisa bela:
seus longos cabelos.
Cobriu a irmã bela
com uma colcha de retalhos
que iria presenteá-la
no seu aniversário.
Colocou nem velho baú
seus longos cabelos já sem lume;
E seguiu a sua vida
como era de costume.
IV
Mesmo de cabelos curtos aconteceu a cerimônia
porque o homem belo assim quis;
Embaixo daquele véu havia o rosto
de uma mulher que lhe faria feliz.
A feia pensou que chorava de alegria
a irmã cheia de beleza;
Sofria o feio coração da linda irmã
que nunca tinha conhecido a tristeza.
A vergonha em dose dupla
a irmã bela não aceitava:
Além da feia casar primeiro
seria com o homem que ela amava.
O rio levou o casal que no barco
Se abraçava e trocava eternas juras;
A feia partiu feliz e nunca mais voltou
àquele lugar que só lhe deu amargura.
Por isso nunca soube que a irmã
usou seus cabelos para se enforcar;
Porque, mesmo com tanta beleza,
o espelho não era suficiente para lhe contentar.”