Não teje vancê jurgando
Que eu seje argum canguçu
Não sou não, seo conseiêro
Sou caboclo... sou violeiro...
E vivo naquelas mata
Cumo veve um sanhaçu
Vanssuncê já me cunhece
Eu sou o Jeca Tatu
Peguiçoso? Madracero?
Não sinhô, seo senadô
Não sinhô, seo conseiêro
É pruque vancê num sabe
O que seje um boiadero
Criá com tanto cuidado
Com tanto amô e aligria
Umas cabeça de gado
E despois, a ipidimia
Carregá tudo com os diabo
Em meno de quatro dia...
É pruque vancê num sabe
O trabaio desgraçado
Que um homi tem, seo dotô
Pra incoivará um roçado
E quando o ouro do mio
Vai ficando imbonecado
Pra gente intonce coiê
O mio morre de sede
Pulo só estorricado
Sequinho cumo vancê
É pruque vancê num sabe
Quanto é duro um pai sofrê
Vendo seo fio crescendo
Dizendo sempre: papai,
Vem me ensiná o A-B-C
Preguiçoso? Madracero?
Não sinhô, seo conseiêro...
Vancê não sabe de nada
Vancê não sabe a corage
Que é preciso um homi tê
Pra corrê nas vaquejada
Vossa incelença não sabe
O valô de um sertanejo
Acerando uma queimada
Vancê tem um casarão
Tem um jardim, uma chácra
Tem criado de casaca
E ganha tudos os dia
Qué chova, qué faça sór
Só pra falá, contos de ré
Eu trabaio o ano inteiro
Somente quando Deus qué
Eu vivo do meu roçado
Me estarfando como um burro
Pra sustentá oito fio
Minha mãe e minha muié
Eu drumo im riba de um couro
Numa casa de sapé
Vancê tem seu artomóve
Eu, pra vim no povoado
Ando déis légua a pé
Neste mês amarfadado
Pru via de num chovê
Via a roça do feijão
Cum farta dágua morrê
O sór teve tão ardente
Lá pras banda do sertão
Que meno de quinze dia
Perdi toda criação...
Na semana retrasada
O vento, tanto ventô
Que a páia que cobre a choça
Foi pulos mato, avuô
Minha muié tá morrendo
Só pri farta de mpezinha
E pru farta de um dotô
Preguiçoso? Madracero?
Não sinhô, seo conseiêro
De lei, lezes, eu num sei nada
Meu palaço é de sapé
Quem dá lezes pra famía
É minha boa muié
Eu sou fromado oito vêis
Eu sou também conseiêro
Pruque tenho oito fiínho
E quem dá lezes pra minha arma
É as déis corda do meu pinho
Vancê qué sê presidente?
Apois seje, meu patrão
Nóis já ficava contente
Se vancê desse pra gente
Um restozinho de pão...
A nossa terra, o Brasí
Já tem muita intiligença
Muito homi de sabença
Que só dá pra espertáião
Leva o diabo a falação
Pra sarvá o mundo intero
Abasta tê coração...
Pros homi de intiligença
Trago comigo essa figa
Esses homi tem cabeça
Mais porém, o que é mais grande
Do que a cabeça, é a barriga...
Vancê leva nesses livros
Lendo, lendo a tuda hora
Mas porém eu só queria
Cunhecê, seo conseiêro
O que vancê ignora
E abasta, já vô m imbora...
e ó!
Se um dia vancê quisé
Passá uns dia de fome
De fome e tarveis de sede
E drumi lá numa rede
Numa casa de sapé
Vá passá cumigo uns tempo
Nos mato do meu sertão
Que eu hei de lhe abri a porta
Da choça e do coração
Eu vorto pros matagá
Mas porém oiça premero
Vancê pode nois xingá
Nois chamá de madracero
Pruque nós, seo conseiêro
Num qué mais sê bestaião
Vá tratá das inleição
E voismecê hai de vê
Pitando seu cachimbão
O Jeca Tatu se rindo, aqui
Cuspindo, sempre cuspindo
Cum queixo im riba da mão...
Eu sei que sô um animá
Eu não sei memo o que eu sô...
Mais porém eu lhe agaranto
Que o que vancê já falô
E o que ainda tem de falá
E o que tem de escrevê...
Todo, todo o seu sabê
E toda a sua saranha
Num vale uma palavrinha
Daquelas coisa bonita
Que Jesus numa tardinha
Disse em riba da montanha
(Em Boldrin, Rolando (org.). Empório Brasil; atos e artefatos. São Paulo, Clube do Livro / Melhoramentos, 1988, p.92-97)