Hoje, novamente cheguei mais cedo ao colégio para
apanhar Juliana. Para não torrar dentro do carro,
como no outro dia, resolvi sair. Mas para onde
ir? A primeira alternativa seria a jaqueira, mas
já está claro que lá é um lugar perigoso.
Olhei em volta e descobri um conjunto de
mangueiras, mais longe. Ali também há um certo
risco, mas uma manga sempre causa menos danos que
uma jaca. Resolvi arriscar e fiquei por ali
aproveitando a sombra.
Enquanto esperava, fiquei observando os caules
das mangueiras. Imensos, resistentes, com uns
cortes, certamente feitos por alguém. Não sei bem
por que alguém faria isto, mas deve ser algum
ritual de fertilidade. Considerando a quantidade
de mangas, imagino que o ritual tenha tido
sucesso.
Mas a questão não é esta. Além dos cortes
transversais não vi mais nada marcado nos caules
das mangueiras em questão. Muito civilizado e
ecologicamente correto.
Ninguém mais faz corações com setas de cupido:
"Rafa e Dara - outubro/1999"
"Ana e Cláudio"
"Chris e Dú"
Sugiro uma investigação minuciosa e tenho já
algumas hipóteses de trabalho. Será mais um item
na lista dos "Não Pode", que inacreditavelmente
foi atendida sem nenhuma exceção? Rebeldia zero.
Ou ninguém mais namora no colégio? Pouco
provável. Será que houve um despertar coletivo da
consciência ecológica capaz de reprimir os
corações mais apaixonados? Ou talvez este negócio
de desenhar corações tenha saído de moda?
Pensando bem, talvez este negócio tenha saído de
moda há mais de trinta anos e só eu não tenha
notado. Que eu me lembre eu também nunca
estraguei árvore nenhuma com coisas do tipo "Re e
Ina - mar/74". Nem mesmo antes. Na realidade
também nunca vi ninguém fazer. Todos os que vi já
estavam lá gravados. Formatos os mais variados,
corações predominando e uma que outra bandalheira.
