Muitas vezes na vida Alfredo chegou atrasado aos compromissos. Nunca teve grandes problemas por isso. Na verdade, poderia chegar tarde onde quer que fosse. Ao trabalho, ao banco, Ã maturidade ou ao século XXI. Haveria problemas, mas seriam pequenos diante do que aconteceu dessa vez.
Poderia chegar tarde a qualquer lugar ou compromisso, mas não ao encontro daquela noite.
Se soubesse exatamente quem encontraria ali, teria chegado com horas de antecedência! Alguns dias, talvez. Por via das dúvidas, chegaria logo uns 15 anos adiantado.
Iria valer a pena. Pelo menos não perderia o momento de cruzar o caminho dela e garimpar aquela preciosidade para incrustá-la no peito ávido por um sentimento novo e definitivo.
Pergunta-se de quem é a culpa. Só pode ser dele, é claro. Afinal, faltou-lhe o dom da premonição para descobrir que ela existia e antever seu brilho encantador. Não podia pensar que fosse tão bela. Não imaginou a sedução dos seus olhos irresistíveis, não adivinhou a magia do seu sorriso discreto, não conjecturou sobre seu charme delicadamente agitado, nem calculou o alcance de seu pensamento ágil ou a doçura de sua sensibilidade aguçada, embora machucada por reveses de um passado irreversível. Como Alfredo póde ser imprevidente? Como póde ignorar que haveria essa revelação em ocasião tão inesperada?
Foi infeliz esse atraso. Nem foi tanto atraso, mas foi muito infeliz. Foram 20 minutos de atraso naquela noite -- que ela tolerou com majestosa fineza --, mas foram imperdoáveis 15 anos de atraso para encontrá-la... A premonição que faltou a ele no passado parece vir-lhe em dobro após o encontro. Algo (ou melhor, tudo) o faz perceber que aquele coraçãozinho já se tornou impenetrável. E repete para si mesmo a contundente certeza: "Mais uma vez cheguei atrasado. Cheguei tarde demais à vida dela..."