Já houve quem dissesse que tudo na vida acaba sempre em lugar comum. A cada momento que ela se nos oferece - e a vida nada mais é que momentos fugazes - são prenhes de nuanças que rapidamente perdem o colorido e, invariavelmente, caem no lugar comum.
Hoje, por exemplo, tornou lugar comum repetir que "beleza é fundamental". Quando, porém, o poeta assim se expressou teve a frase um colorido especial, porque não era uma frase comum.
Mas tem gente, entretanto, que jamais se dá conta desses lugares comuns, dessas repetições enfadonhas e intermináveis de fatos, de momentos que compõe a vida.
Era como não pensava o Gurú-Gurú, cara de um coração que extravazava bondade, lirismo e romantismo. Dono de uma auto-confiança de fazer inveja aos mais renomados conquistadores de que a história nos noticia, era o Gurú-Gurú o protótipo do cavalheiro sempre bem intencionado com as mulheres. Ele sabia como cativá-las, como tratá-las. Por suas mãos desfilaram inúmeras. Uma pleiàde de exemplares do sexo frágil. Só que por capricho do Gurú ou por azar mesmo, todas eram feias. Não me lembro dele ter me apresentado uma que se pudesse, ao menos, dizer bonitinha. As feias são mais fáceis, embora pareça contra-senso. Era um gentleman na acepção da palavra. Daqueles de mandar flores em buquê, de abrir a porta do carro, etc. Falante, com assuntos previamente escolhidos, palavras medidas, sem contar as canções que fazia rodar no seu protentoso toca-fitas. Além de tudo era poeta, o sacana. Não era nenhum Vinicius de Morais, é verdade, mas sabia como poucos jogar com as palavras, ora nos versos soltos, ora nos versos cadenciados. Sua prosa era encantadora e cheia de imagens que transcendiam à imaginação mais fértil.
Há tempos encontrei o meu amigo Gurú-Gurú meio macambuzio, tristonho, emagrecido. Na face, outrora radiante, profundos vincos sulcavam-lhe o rosto amarelado. Cabelos embranquecidos, passos lentos, linguagem mais moderada, pareceu-me, na verdade, doente.
A amizade sincera de tantos e tantos anos, de tantas aventuras fez com que eu travasse conhecimento de tanta amargura, de tanta mudança...
A doença do Gurú era grave. Comum, mas de difícil tratamento. Um vírus de corpo delgado, olhos amendoados, morena cheirando a alecrim... Uma flor de açucena. Uma rosa que exalava dos lábios o aroma da própria natureza.
Depois de contaminar-lhe a alma, abandonara seu corpo. Já não era o velho Gurú-Gurú de tantas conquistas, de inúmeras aventuras, de tanta confiança. Acabrunhara-se, descera as raias do inconcebível rastejando qual verme buscando as migalhas de um amor esmagado pela ingratidão.
Não buscou, infelizmente, outros remédios, antes, entregou-se de alma à sua própria desventura.
Ainda hoje eu o vejo caminhando pela vida, fingindo que vive, esperando que a morte o encontre.
Não fora a beleza fundamental de sua deusa, por certo o velho Gurú estaria até hoje curtindo as feias e sentindo-se feliz.
Nelson de Medeiros Teixeira
(cronica já publicada)