Meu barco se aproxima do porto definitivo. Embasbaco palavras, liberto pensamentos safados, e uso o direito inalienável de me vestir como arauto ao curso desse rio impetuoso.
Cá por dentro, a alma feliz se regozija pela felicidade colhida pétala por pétala, aroma por aroma, num gozar a vida interior no àmbito desse micro universo que conheci.
Lá fora, porém, saí do debate onde enfiei juventude numa ànsia ingênua de propor soluções óbvias à s agruras de uma sociedade à deriva e satisfeita.
Meu barco desliza quieto agora. As águas são mais tranquilas e posso sentar-me de costas e de costas morro de rir.
Vejo uma sociedade de ingênuos-malandros governada por uma outra sociedade de malandros-ingênuos e o ridículo aflora portentoso e a gargalhada escapa inevitavelmente solta.
Somos uma sociedade ridícula. A grande massa ingênua e santa, mas também malandra e diabólica, trabalha a favor da malandragem de todas as cores. Malandros da direita, malandros da esquerda travestidos de acordo com a festa do momento, levam os ingênuos pela mão à porta do inferno e mostram como é bom e necessário queimar-se agora para ganhar seu futuro e salvar o paraíso. Aos pulinhos histéricos mostram as mágicas estapafúrdias de suas idéias de felicidade geral e dançam da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, explodindo fogos de artifício a extasiar os incautos-malandros-ingênuos.
Os ingênuos reservam sempre um estoque de malandragem contra os mais ingênuos que eles. Descubro, estupefato, doses abundantes de malandragem enrustida dentro dos ingênuos do fim da fila.
Não posso parar de rir porque o ridículo se agiganta nos discursos empolados, nas justificativas ilógicas, na força bruta a se antepor a um povo perdido na ignorància forçada a migrar infantilmente da esperança semeada para a frustração explicada, da frustração fatalista para a esperança ridícula.
Meu barco desliza silencioso. Já esboço um aceno de despedida sem tristeza, mas renovando a gargalhada irresistível pelo papel ridículo que ingenuamente todos fazemos.
Compomos uma espécie arrogante que avança na ciência, progride geometricamente em tecnologias, mas que não se move em comportamento. Continuamos os mesmos malandros que fomos na origem dos tempos. Mudamos da pedra lascada, para o silício inteligente, mas o Caim assassino dos ditos livros sagrados é irmão do crack Fernandinho dos jornais de hoje. Os profetas do tempo sem século são gêmeos dos ditadores ainda louvados pelos malandros do século de hoje.
Enquanto deslizo para o porto final, assobio meu lamento por ter navegado tanto tempo entre malandros-malandros, ingênuos-malandros, malandros-ingênuos e ingênuos-ingênuos.
Paro meu assobio de felicidade para continuar rindo porque inapelavelmente somos todos muito ridículos!