Na viagem ao Rio, tive por companheira, ao meu lado, a Carolina. Bem rechonchuda, com uma bela papada, que tremia enquanto ela falava. E como falava a Carolina! Basta dizer que me manteve praticamente calada o tempo todo, logo a mim, palradora mor! Por vingança, espalho a quatro ventos a sua história:
Contou-me que estava em vésperas de completar bodas de prata de noivado.
- Por que não se casaram logo?
- Porque o Jocélio, filho único, era responsável pela idosa mãe e eu, também filha única, era responsável pela minha, e as duas, acostumadas cada qual em seu cantinho, gostavam de curtir os seus achaques.
A princípio tentamos catequizá-las para que nos uníssemos, todos , em uma das duas casas. Daí, as duas ranhetas começaram a discutir, cada qual puxando a brasa para a sua sardinha. Essa irresolução já durou 22 anos! De brigas, discussões e... encarquilhamento.
Contou ainda a Carolina que o Jocélio, moço bonito e ativo, foi com o tempo mermando na boniteza, no ativismo e no amor. Passou a frequentar a casa da noiva só Ã s quintas feiras. Chegava cansado do trabalho, mal tocava na comida - sem apetite, emagrecia a olhos vistos - e postava-se diante da televisão e ali ficava, cochilando, até depois do noticiário. Com um beijo chocho, lá ia o noivo para a sua casa e cá ficava a noiva, enfarada com a vida...
Quis, no entanto, a sorte que Carolina recebesse da Bahia uma boa cozinheira de há muito encomendada por ela.
Daíla chegou resfolegando saúde e eficiência. Mulata clara, nada bonita, cortava como hábil carrasco o pescoço de um frango, aparava-lhe o sangue e, num segundo, o transformava em suculenta "galinha à cabidela". E vieram os vatapás, xinxins, acarajés, mungunzás, carurus no leite de coco e azeite de dendê e uma sopa-de-exú que botava o Jocélio louco, pedido mais. Fabricava um tal de "levanta defunto" - licor delicioso feito de canela, cravo, emberiba, eucalipto, gengibre, raiz de moçambê e casca de angico. Diz a Carolina que o noivo bebia e ficava assuntando, desconsolado, o vidro vazio.
Carolina contou que exultava! O rapaz, tímido e pacato, se acendeu. Passou a amiudar as visitas e a estendê-las para os sábados e domingos, quando podia tirar boa sesta, depois dos rega-bofes. Viu o noivo ressurgir! A comida apimentada foi-lhe oferecendo carne, quebrando as arestas ossudas do corpo, fulgindo em luz e alegria em seus olhos.
Jocélio, já sem cerimónias, entrava na cozinha e fazia as listas de compras e depois, com Carolina a tira-colo,canelava pelo comercio à escolha minuciosa do que houvesse de melhor.
O que consegue uma boa mesa! Jocélio era agora alegre e espirituoso, enquanto Carolina engordava e engordava.
Numa sexta-feira da Paixão, Jocélio partiu com sua santa mãezinha e mais Daíla, para a Bahia, onde se casaram e onde os ingredientes culinários eram legítimos.
Para a pobre Carolina restaram a solidão, a saudade e a valente papada...