Chegou do trabalho, cansado, parou o carro na porta de casa e não entrou. Saiu andando, caminhava devagar e despreocupado, absorto, feliz. Engraçado, pensava, porque não havia comprado o terreno da sua casa para este lado, que era plano, ao lado do parque e mais barato? Vejam só, uma coisa que era mais barata, passados vinte anos fica melhor e mais valiosa.
E ia em direção ao tal terreno. Um prazer, rua arborizada, pouquíssimo movimento. Bem, movimento não havia no lado da sua casa também. Aliás, não havia movimento nenhum no bairro inteiro. Bairro? Nem disso o lugar podia ser chamado, era muito pequeno, um condomínio metido a chique. Sentiu raiva, pequeno e metido coisa nenhuma, quem diz isso é aquela abelhuda, que começou com essa história na inauguração da minha casa, criando um mito que dura até hoje.
Abelhuda gostosa do cacete. Nem ia morar aqui, o que tinha que dar palpite? Acontece que ela não vivia sem dar palpite. Ainda bem que desmanchou o noivado e não casou com ela. Tá certo que casou pior, mas não foi com ela.
Quem casou com ela foi o seu amigo, arquiteto, que fez o primeiro projeto da sua casa. Como não gostou, pediu outro. Que ela conseguiu mudar a fachada, convencendo a sua mulher e causando as primeiras grandes brigas do casamento, porque usou a tal fachada na dela. Parou em frente a casa, no terreno que não comprou. Era melhor que o seu, a casa mais bonita, e ela estava lá. Também estava bonita, mais que a sua mulher. O que o tempo não faz quando passa, estava pensando, quando o amigo apareceu.
Quer comprar? ele perguntou. Nem respondeu porque o cara era um cínico, estava na verdade oferecendo a mulher, de novo. E ela prontamente disse que a casa não estava à venda, uma idiota, levantando a bola para o marido sacar. Na mosca, disse que estava vendendo a mulher. O casal é assim há vinte anos. Mas a casa era melhor. E o terreno também. E ela também.
Falou que não precisava comprar, porque já a tinha comido, o amigo partiu prá cima dele, se encheram de porrada, os vizinhos apartaram, bate-boca, gritaria, deixa disso vocês são amigos, e blá, blá, blá. Lhe dão uma carona, ele entra em casa todo sujo e rasgado e a mulher pergunta: foi lá se divertir de novo com o meu amante?