O acampamento em frente a Interamericana
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
A tarde caía fria naquele princípio do último inverno da década de 70. O acampamento silenciava lentamente, a agitação se acalmava em frente ao prédio da Interamericana.
Em uma das barracas um grupo de estudantes estava reunido para avaliar o dia de manifestações pelas universidades e o rumo do movimento na UFSM. A passeata, que saiu em frente ao prédio do Centro de Tecnologia rumo à Reitoria, contou com uma excelente adesão da comunidade universitária, majoritariamente dos estudantes. Faixas e palavras de ordem pedindo o fim da ditadura, da censura e eleições diretas para reitor e presidente.
Deslocava-me à parada do ónibus, quando encontro um amigo que fazia parte do Diretório Acadêmico do Centro de Tecnologia. De pronto, disse-me ele com o quê de malícia: - te cuida, tchê. A "milicada" está por todos os lados e nós cada vez mais expostos. Se levarmos essas reivindicações adiante, por muito tempo, haverá prisões e a coisa poderá ficar preta para o nosso lado. - e continuou, num ar senhorial. - este movimento nacional, na minha opinião, veio para deixar o governo em polvorosa. O general terá que abrir... ou vem outra quartelada e fecha de vez.
Despediu-se, deixando-me proseando com um colega da Medicina, que havia chegado nesse ínterim. Ainda comentou que iria dar uma espairecida pelo campus, respirar um pouco do ar noturno.
- Quero dar uma aliviada nas tensões. - e caminhou, vagarosamente, em direção ao prédio do Centro de Tecnologia.
Não demorou dois minutos, volta todo esbaforido ao acampamento em frente a Interamericana.
- De quem é o corcel vermelho no estacionamento da engenharia?
- Corcel vermelho? - retorquiu um rosto assustado saindo do interior da barraca.
- Não sei, mas me parece muito estranho. Já está anoitecendo. - não escondendo o nervosismo completou com uma frase que desconcertou os colegas de acampamento. - e tem dois sujeitos dentro.
Ouvi o diálogo dos dois líderes estudantis, mas não dei muita importància, disse que iria ver minha nota de Física I, no prédio em frente, e me retirei. Após verificar que minha nota não era nem parecida com a que imaginava, também resolvi caminhar pelo campus. Uma caminhada sem compromisso para colocar os pensamentos em ordem, mas preocupado com a segunda prova de Física.
Entro pelos fundos do Centro de Ciências Naturais e Exatas, passo pelo corredor principal e chego no hall do prédio. Anoitecera. Naquela hora o Centro estava completamente vazio. Quando estou saindo, na escadaria, deparo-me com um vizinho, morador do mesmo prédio em que morava, conhecido apenas por ser sargento e síndico do condomínio.
- Oliveira! Sargento, o que o senhor faz por aqui? - olhou-me com espanto e sorriu amarelo.
Oliveira estava a paisano. Não me dá ouvidos e se vai, a passos largos, em direção ao corcel vermelho que o aguardava no estacionamento em frente da engenharia.
- Vocês não vão acreditar, os milicos estavam aqui nas nossas barbas, do nosso lado, um deles é um sargento que é meu vizinho, moramos no mesmo prédio. Um de nós está ferrado ou eu, ou o sargento por ter-se deixado reconhecer. - conclui com o coração na boca e, levemente apavorado, preocupado com um provável envolvimento com as Forças Armadas que, naqueles tempos de exceção, era de tirar o sono de um simples universitário "latino-americano sem parentes importantes".
- Pessoal a coisa está mais séria do que eu pensava. - concluiu o influente líder estudantil.
Depois daquele emocionante entardecer no campus não encontrei mais o militar, síndico do condomínio que morava. Um outro vizinho, algumas semanas depois, comentou que não entendia o porquê de o sargento Oliveira ter sido, repentinamente, transferido para Curitiba.
E eu, no próximo semestre, iria repetir a cadeira de Física I.
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