Cansada de, em vão, oferecer aqueles bilhetes, a mulher nem percebeu o poeta, que a observava com a emoção sutil dos que para quem a vida não é um mero "passar de horas", mas um promontório de poesia cujos cànticos tristes saltitam como potrinhos indomáveis.
Olhos tristonhos, a roupa molhada pela chuva, apregoava sua ilusória mercadoria:
"Quem quer bilhetes? Olha a sorte grande, doutor!"
Ninguém parava. A pressa era a constante no semblante de cada um.
Mas o poeta não...
Acompanha o passar lento dos minutos sofridos. E põe-se a versejar...
"Se a chuva cai não lhe importa a roupa
Que até se lava com a chuva forte
Só os bilhetes é que ela poupa;
Nem a doença lhe dá cuidados
Pois a pobreza não teme a morte..."
Texto inspirado no poema "Vendedora de bilhetes de loteria" (o autor não me veio à memória)