O crepúsculo é a lenta agonia do dia e a ante-sala da noite. Há clarões rubros para os lados do poente: o firmamento e as nuvens adquirem tons rosados e dos lados do nascente já se vislumbram nesgas de sombras, são as falanges escuras da noite que se avizinha.
O jardim, sob os efeitos desse quadro de luz e sombras, parece algo irreal, pois as flores parecem diferentes, esmaecidas, fantasmagóricas.
Fico olhando fixamente para os morcegos esvoaçando à luz tênue do lusco-fusco, parecendo pássaros desajeitados e tontos à procura de ninhos inacessíveis.
Ouço um piano distante tocando um noturno de Chopin, ou seria uma sonata de Bethoven?
Um leve torpor me invade. Acodem-me lembranças dos tempos idos. Onde andarão os meus amigos de infància? Em que rua da saudade se embrenharam para jogar peladas e contar as suas estórias intermináveis...
E a casa de minha avó, tão grande para os meus olhos de criança, tão mágica para os meus sonhos, tão repleta de recordações.
Parece que vejo o meu pai, de repente, descendo do Circular, de branco ou azul marinho, assobiando para nós e a corrida para o abraço.
Minha mãe, de vestido verde, acompanhando as nossas inquietações e travessuras.
A rua calma, a igreja, o calçamento de pedra tosca, as quermesses, as cadeiras nas calçadas, as conversas entre vizinhos, sem medo, sem os pavores da guerra que já haviam ficada nas dobras do tempo...
Tantas cenas e episódios presos na memória, aguçados agora pela quase penumbra deste fim de tarde.
Puxa! Como é ligeiro o comboio do tempo, como passa rápido pelas estações da vida, levando-nos de roldão, sem parar jamais, sem parar jamais!