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Cronicas-->Gilda, a Princesinha dos Esgotos -- 18/11/2003 - 08:27 (Alvaro Neon de Sá) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Gilda, conheci-a nos primeiros tempos de aldeia, as últimas carroças ainda teimavam o corpo a corpo com os recém chegados Mercedes turbo-diesel. O pai morrera eletrocutado num poste de alta tensão e desde então Gilda passou a ter os cabelos vermelhos. Ela comia frango com as mãos e atirava bosta de vaca aos vizinhos, impossivel não me apaixonar. Fizemos planos de nos casar, comprar um mercedes à cavalo, e morarmos num estábulo... Talvez fosse a realidade que interpós-se mas Gilda abandonou-me ao altar com um fardo de estrume às costas, fardo de estrume que carrego até hoje, nas festas, nas soirées, nos jantares de debutantes... Porém, seus cabelos de fogo ainda devastam meus bosques, quando surge o nome dela eu piso na banguela, e nos casamentos, nos petit-fours, nos quitutes, nas sanduiches de mortandela é o nome dela que jogo fora e engulo em seco o palito sobejante...
Anos mais tarde, reencontrei-a numa festa da alta sociedade, ela já não olhava as estrelas, tornara-se numa. Talvez tivesse encontrado um atalho enquanto eu ainda cambaleava as mesmas sarjetas anónimas tendo a solidão por amparo. Estava muito mudada, não era mais aquela rapariguinha dos campos que comigo tantos esgotos saltara de mãos dadas.
O sucesso subira-lhe a cabeça e avantajara-lhe os seios. A festa era na varanda que Gilda mandara construir no 3º andar da própria testa onde estranhos de plástico cobertos apenas com pequenos puddles sobre os genitais comiam garrafas de whisky num desespero por sensações. Por fim todos se concentraram na varanda num movimento frenético, as estruturas cederam e a festa continuou no solo. Uma piscina de sangue, whisky, sexo e silicone se formara sob os escombros da artificialidade ruindo de mãos dadas aos sonhos de Gilda...
Hoje passeio-me só, dando de comer aos esgotos ao entardecer, cães mijam-me nas pernas, hienas desdenham meu destino, Sento-me sobre um fardo de estrume junto ao córrego abandonado Um ténue hálito de maçãs podres emana das fossas sépticas ... é Gilda que vem me beijar
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