Uma vez um colega bem mais velho e superconservador me advertiu: -- Homem na cozinha, das duas, uma: ou é encanador ou é gay. Com o termo encanador ele não queria dizer bombeiro, queria dizer encanador - e nao aquele que conserta cano.
E eis que hoje há dois homens na minha cozinha - nem encanadores, nem gays. São papeleiros. O que vem a ser um papeleiro? É (ou são, como é o caso) o homem que vem tirar o papel da parede, remover toda a cola acumulada em 22 anos de vida colada, raspar o que sobrou e passar uma tinta, pintar as paredes.
Eis o que fizeram esses dois bravos soldados da reforma caseira: empurraram a geladeira do lugar, descobriram uma tralha que tinha caído atrás da mesma em algum século passado, puxaram um móvel com rodinhas, tiraram os centos de livros de culinária que empanturraram a estante por anos a fio, tiraram todos os posters envidraçados da parede do lado direito... fizeram a faxina do ano.
Não são encanadores, não são enganadores, não são gays. São dois honestos brasileiros que vieram tentar a vida no hemisfério norte, viraram papeleiros, pintores e arrastadores de móveis.
Sérios, chegaram à s oito horas da manhã,como combinado. Um cafezinho e se puseram a trabalhar.
Um está cantando um sambinha, doce vocce , entre os dentes. Canta e pára. Canta e pára. O outro, nem isto. Só pediu se pode abrir a janela.
Calados, absortos no trabalho. Devem ser mineiros.
Ou baianos. Ou paulistas. Ou gaúchos. Devem ser de qualquer parte do Brasil que não lhes terá dado oportunidade de trabalho e remuneração condizente. Um país tão extenso como o nosso. E rico. Uma economia rica , como se ufanam nossos patrões em Brasília. Uma economia que cresce - pra baixo, será?
Perguntem-se a esses dois homens, nos seus trinta e poucos anos, que deixaram família (um deles ainda nao conhece a filhinha que nasceu dois meses depois que ele saiu da sua terra)... perguntem-se a esses dois homens como vai a economia do Brasil.
Melhor não perguntar - hoje não quero me estressar. "Porque é sábado" - como disseram os jograis de S.Paulo, quando eu lá morava e quando as coisas pareciam ter futuro melhor.
Porque é sábado, não quero me estressar - ou não quero me estressar porque é sábado?