Sempre admirei muito o artesão. De qualquer gênero. Seu trabalho é manual, é quase sempre personalizado e criativo. Denota paciência, concentração e algumas habilidades incomuns. Sempre achei que o trabalho artesanal não é tão valorizado quanto deveria ser. Veja um crochê, um tricó, ou um bordado, só para ficarmos no mais básico.Do nada nasce ponto a ponto uma peça, no mínimo sempre original. Respeito o artesão.
O artista já é outra história. O artista toca a alma. Desperta um certo desconforto interior, que vai do deleite as lágrimas. O artista é o poeta, o pintor, o músico, o ator, o profissional que tem coragem de ultrapassar a barreira da técnica pura e com seu trabalho, tornar o mundo um pouco melhor. O atleta é um artista.
Nunca havia parado para pensar que entre definições tão parecidas existe uma lacuna:. Tênue, sutil, mas profunda. Numa conversa com o meu dentista é que o assunto veio a tona..
Assim como o artesão aprimora seu trabalho a cada dia e pode se tornar reconhecido, o artista não é um iluminado divino que senta e recebe num estalar de dedos uma inspiração que o vai consagrar na história. O artista é normalmente um revolucionário. Barulhento ou silencioso. Derruba paradigmas. Não se entrega: se emociona, persiste, quebra regras, foge da mesmice e do conformismo. Isto, ele é um inconformado por natureza. Tem espírito transformador e não expectador. O artista se expõe, escracha a alma.
Viva o artista!
Basta conhecer a trajetória de grandes mestres da pintura, da poesia, da música, para percebermos o quanto tem de dedicação e trabalho por detrás de uma grande obra. Sem desconsiderar o "dom" e a criatividade.
A grande obra prima de Picasso, por exemplo, a Guernica, quadro que retrata os horrores da revolução espanhola, e que está exposto sob forte esquema de segurança, no Museu do Prado em Madri, fez o autor esboçar cada pedaço (que hoje são valiosíssimos quadros também) com a precisão de que se transportou para a obra final. Nem imagino quanto de tempo, de trabalho, de acertos e frustrações está composta a obra prima. Assim, tomo emprestado também o exemplo do Dr. Laerte, sobre a Mona Lisa, obra prima de Da Vinci, concebido na sua maturidade, após intermináveis esboços e ensaios.
O meu querido poeta Thiago de Mello, nascido na floresta amazónica, que sempre cantou o amor e a liberdade, mesmo em tempos que o levaram ao exílio (Faz escuro mas eu canto), também escreveu a poesia mais forte e mais doce que se chama Estatuto do Homem, tem uma história de perseverança e muito trabalho. Nem vou falar no Pablo Neruda. e na Elisa Lucinda.
Quantas e quantas histórias teríamos. Histórias comuns, universais, famosas e anónimas.
Sinto a cada dia que passa que quando conhecemos um artista e sua obra, por mais singela que seja, o planeta terra se torna um espaço mais agradável de se viver.
Estamos todos carentes de sensibilidade. Remexendo um pouco no nosso interior, todos podemos ser um pouco artistas e usufruir as benesses da sensibilidade.
É aquele combustível para os dias que começam pesados e parecem nunca acabar.
Mas o milagre da vida continua. Morre um dia e nasce outro, que já nem é tão pesado.
Com o artesão e o artista vamos acreditando que o mundo ainda tem jeito.
