É engraçado ver como as pessoas quando ficam velhas começam a ter manias nunca antes percebidas, começam a visitar estações de rádios populares e acreditar em tudo o que o pseudo-filósofo radialista fala com fé irreversível. Começam a colecionar coisas absolutamente desnecessárias ou ferramentas que são guardadas na salinha que tem nos fundos da casa com o intuito ou a crença de que um dia irão arrumar o chuveiro ou o encanamento da cozinha, achando assim, nesse mísero trabalho um sentido à sua vida.
É estranho e desconfortável ver como seus olhos não possuem mais brilho nenhum e sim um cansaço angustiante e uma sensação que passa pelos olhos que não mentem da pergunta que nunca cala: o que será que vai acontecer agora?
Será que o corpo dessas pessoas não abriga mais nada de vontade? Será que a desistência tem essa face lànguida? Será que a velhice significa os braços caídos parecendo pêndulos de um relógio que nem hora marca mais, porque a hora nesses momentos passa tão devagar quanto à espera por algo no sofá vendo programas de culinária? Será que dentro desses que desistem não arde mais nada e as emoções só perambulam nas lembranças burlas na cabeça que já falha em verdadeiramente lembrar de algo? Vocês já perceberam como esses idosos se apegam tanto à religião, à s plantas e animais de estimação? Eles não desconfiam que só animal de estimação vale a pena? Não posso entender ou aceitar a desculpa de que as emoções reais foram trocadas ou substituídas pela adoração a imagens. Então se for assim, prefiro admirar esculturas de Brecheret que santos ocos na igreja católica que te olham desconfiados.
E tenho medo de tanta coisa.
Tenho medo de ficar velho e desistir. Tenho medo de me tornar um cara que espera a morte babando num sofá velho e sem cor. Tenho medo de me alienar com o imaginário do fim que estaria supostamente perto. Tenho medo de ter minha mulher do lado a décadas e nem saber direito o nome da coitada que esquenta meu arroz e feijão na cozinha cor ocre escuro. Tenho medo de colocar um pijama velho sem cueca e ficar dias assim, lendo jornais que mentem e escutando radialistas chatos que só falam merda. Tenho medo de me olhar no espelho com a barba grisalha e nem saber quem eu sou, quem eu fui ou quem serei. Tenho medo ter que me obrigar a fazer exercícios físicos porque meu corpo já farto dos meus excessos naquele momento pede arrego. Tenho medo de ter que me sentar todos os dias em cadeiras de praia as 17:00 hs na calçada para discutir com o vizinho algo desnecessário só para discutir a esmo. Tenho medo de ficar fã de algum Silvio Santos da vida só porque ele é bom com as pessoas e nos humilham com muita grana e sorriso impecavelmente maquiavélico. Tenho medo de ter que usar óculos porque meus olhos já não enxergam a vida e minha barriga não me deixa enxergar minha pica. Tenho medo de me aposentar e ter que me aturar o dia inteiro, tentando descobrir quem eu sou. Falando nisso, tenho medo de ter que ir ao analista que conta os segundos pra eu sumir dali para descutir minha vida num divã pulguento. Tenho medo de me trancar em casa a sete chaves por ser telespectador assíduo de programas policiais do lixo televisivo vespertino. Tenho medo de me acabar num bar imundo tomando cachaça com o olhar perdido contando os azulejos que possuem desenhos de flor na parede do fundo onde ali marca a hora lentamente um relógio com o símbolo do Corinthians ao lado de um cartaz da Rita Cadilac nos tempos áureos. Tenho medo de ser esquecido pelo que eu fiz e ser somente lembrado pelo que eu não fiz em vida. Tenho medo de ter que olhar durante dias minha mulher que não me olha há dias fazendo crochê e tricó para o neto ou bisneto que talvez nunca virá a tê-lo. Tenho medo de dominó. Tenho medo de bailes dançantes. Tenho medo de cadeira de rodas. Tenho medo de casa vazia. Tenho medo do futuro, por isso vivo intensamente o agora, para poder no futuro bem incerto poder sorrir talvez discreto, mas sorrir um pouco disso tudo talvez.