A tolerància talvez seja uma das graças mais necessárias ao homem moderno, engolfado no individualismo extremo e grosseiro, no consumismo exagerado e no mar de informação que, ao invés de instruí-lo e educá-lo, lhe causa indigestão. O saber é um bem muito mais profundo que a informação (ou conhecimento), não é jactante embora muito menos prático no sentido banal deste adjetivo. A sabedoria, sem aspas, é para uns poucos, está nos cultivadores da tradição e nos descobridores do novo, entre os atentos ao bom senso mas temperado com certa ousadia. Não é para aqueles que aprendem de oitiva ou então metem a televisão pelos os olhos e acham que estão completos.
Os poucos que são sábios aceitam a democracia de que falam os incautos. Estes, ao fim e ao cabo, anseiam mesmo é o poder. A democracia só existe por causa da tolerància, as outras virtudes vêm por meio dela, a tolerància, os crimes e abusos são cometidos por sua ausência, ou seja, por causa da intolerància.
Quero contar aqui um caso bem particular de intolerància versus tolerància. Como candidato a vereador, na manhã de 30 de agosto saí com meus folhetos, propagando o que me proponho. Entro numa padaria, que também é uma lanchonete, onde, depois de contatar os empregados da loja, topo com um comerciante fazendo acertos de contas, Ã mesa do café, com um seu empregado (ao que me pareceu). Coisas de contabilidade, de vendas, de conciliação de contas... Pedi licença e passei-lhes o meu recado:
- Dizia um velho de minha terra que só se pedem três coisas: voto, favor e amor. Estou pedindo as três, o voto como favor e com amor.
- O senhor me desculpe, mas todo político é ladrão - disse o comerciante sem pestanejar.
Tive que responder-lhe na bucha:
- Eu não sou ladrão.
Mas, na verdade, minha vontade naquela hora foi responder com outra pergunta:
- E se eu lhe dissesse que todo comerciante é ladrão?
Porém não o fiz. Compreendi logo que ele era um daqueles que acham que são os donos da verdade. O "diálogo" ficou naquilo mesmo. E o outro recebeu meu folheto, guardou e riu. Imediatamente refleti que a ignorància generaliza tudo. Não só a ignorància, a preguiça, a má fé, o comodismo e muito mais o egoísmo. Não é necessário que aceitemos a opinião dos outros. Mas o respeito ao direito do outro de pensar o que lhe der na telha é próprio dos tolerantes, dos democratas, dos bem-educados. Lembrei-me da última missa assistida em minha paróquia. O padre falou que nem todo político é ruim, pestilento. Nada de jogar pedra naqueles que se candidatam a nossos representantes. Precisamos de paciência, educação e sapiência para escolhê-los, já que o Estado é necessário e deve ter os seus dirigentes. Ouvi a tolerància da igreja, da religião, do bom senso. Grato por mais essa lição.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor.