"Tive uma infància solitária, porque acreditava mais na minha imaginação do que nas outras crianças e nos brinquedos delas. Então eu criei uma amiga, a partir do quadrinho que tinha comprado na feira. Era uma moça encostada num murinho de pedra, que a separava de um jardim luxuriante. A moça tinha um chapeuzinho de palha, redondo, acompanhava seu rosto. E ela lia uma carta. Estava de pé, apoiada no murinho, que era construído de pequenas colunas, abauladas no topo, fininhas na parte de baixo. A moça, as roupas, o chapéu, o quadro inteiro pertencia a outro país, não era no nosso Brasil colorido, tropical e ... onde poucas moças liam cartas encostadas em muros feitos de colunas.
Essa era a moça que ficou minha amiga. De volta da escola, eu me deitava na cama e olhava para o quadro ali pendurado, na parede lateral. Eu até lhe tinha dado um nome. Ela se chamava Angélica.
E Angélica ouvia todas minhas angústias, meus medos, minhas pequenas alegrias. E depois eu lhe perguntava, e você, o que vc quer me dizer... - Ela continuava lendo a carta. Mas eu sabia que ela me escutava, só que não podia se mexer, impossibilitada pelo pincel do seu pintor. Mas eu sabia que ela me ouvia e me entendia.