Sempre que penso em coisas, tenho uma certa dificuldade em relacionar-me com elas. Talvez porque ache bem mais fácil e interessante lidar com pessoas; talvez seja um traço da falta de habilidade em administrar a dinàmica que os objetos tecem ao meu redor. O fato é que as coisas tendem a se organizar em minha vida de um modo próprio e autogerido, como se assumissem que não podem confiar em mim!
Essa minha estranheza acaba levando-me a prestar atenção em como as pessoas se relacionam com o universo da materialidade, e vou descobrindo um comportamento hilário e bem mais comum do que ousamos imaginar.
Uma colega de mestrado na PUCSP, via-se apurada com a correria de sua rotina.
Morando em Curitiba, vinha por dois dias a São Paulo, toda semana, e hospedava-se em casa de uma prima. Prima esta que a encantava pela gentileza, e prestatividade. Dizia esta minha amiga que sua prima parecia não pertencer a este planeta, uma vez que se manifestava quase etérea no tocante ao cotidiano.
Certo dia, ao chegar em São Paulo, foi pega de surpresa com uma frente fria considerável. Não vinha ela com muita bagagem, uma vez que os livros e cadernos já representavam peso suficiente para alguém tão miúda e pequenina. Por esta razão trazia apenas uma muda de roupa e os materiais indispensáveis para seu estudo.
Ao encontrar-se totalmente desprovida de agasalho, lembrou-se que em uma das vezes em que havia vindo a São Paulo, esquecera de um casaco, na pressa de pegar a condução.
Sendo assim, ao chegar na PUC ligou para sua prima e pediu se poderia ela deixar o casaco na sala, pois daria uma passadinha rápida para pegá-lo, e assim não perderia aula.
Do outro lado da linha ouviu sua prima espantar-se e comentar que não havia visto casaco algum. Mais que depressa ela insistiu, pois tinha certeza que havia deixado lá, e assim pediu para que ela fosse procurando que com certeza encontraria ate que chegasse ao apartamento.
Meia hora depois, um tanto esbaforida, praticamente congelada, minha amiga adentra apressada o apartamento e ouve de sua prima, desolada, que o casaco não estava ali. Desanimada e ainda teimando que havia esquecido, retornou para a PUC, com um agasalho emprestado de sua prima.
Passado um mês mais ou menos, estava ela novamente em São Paulo e chegou tarde, bem tarde na casa da prima. Cansada, mesmo com fome, foi direto tomar banho e deitar, tão exausta se sentia.
A prima, sempre solicita levou um chocolate quente com biscoitos para que se alimentasse um pouco e dormisse melhor.
Enquanto se aquecia com o chocolate conversavam e riam, ambas sentadas na cama, já que ela havia se acomodado para dormir.
Sua filha escutando a conversa juntou-se as duas participando também do momento tão descontraído e agradável.
Em dada hora a prima toda entusiasmada comentou sobre algumas reformas que havia feito em roupas mais antigas e como a costureira era habilidosa, pois as peças ficaram completamente transformadas com o toque de modernidade, o que as valorizou por completo. Animada abriu o guarda roupa e passou a apresentar o resultado de tal proeza.
De repente minha amiga sentou-se na cama enquanto observa um casaco um tanto familiar, não fosse o tamanho e os recortes e a gola que eram diferentes. Mas havia uma sensação de familiaridade, quanto a isso não tinha dúvida.
Foi quando a prima pegou o tal casaco, enaltecendo o desempenho da costureira e virou a peça que minha amiga, sem se conter gritou:
_ Mas este é o meu casaco! Por ser tão miúda levei no alfaiate e pedi que fizesse duas costuras de cada lado do recorte original. Nenhum outro casaco no mundo possui costura igual!
Neste momento, a prima muito sem jeito comenta:
- Será? Mas eu tinha certeza que esse era o casaco que comprei junto com você ano passado!
- Querida... - respondeu minha amiga - O seu era de outra cor...Não se lembra? Era ferrugem, não marrom!
- Realmente! Agora me recordo - comenta com um sorriso amarelo e o ar tão
inocente quanto um querubim. Podia-se perceber que ela estava tão espantada quanto minha amiga.
- Também seu número é outro, querida! O meu é P e o seu é G. Não percebeu
este detalhe?
- Ah! Então por isso estava apertado!
- E mesmo assim não estranhou?
- Bem - responde ela - Estranhar, estranhei sim, apenas imaginei que havia
engordado um pouquinho!
Priscila de Loureiro Coelho
Consultora de Desenvolvimento de Pessoas