É inoportuno ser interrompido em seus devaneios por pedidos alheios. Foi o que aconteceu ontem, eu deitada numa rede crochetada, numa varanda assolarada, metendo-me bolo de chocolate à s colheradas.
Um cachorro sentiu o doce aroma no ar. Chegou-se a mim, encostou a cabeça bem perto do meu cotovelo direito, o que me assegurava um certo equilíbrio na rede que bambeava.
- O que é que há, cachorro - pensei, olhando para ele.
- Também quero comer chocolate - respondeu-me ele, em pensamento.
- Chocolate não é comida pra cachorro - retruquei.
- Onde está escrito? - desafiou o Rex.
- Pois é, não está escrito mesmo em lugar nenhum. Apenas se sabe. Ademais, quero comer este bolo em paz. Vá ver se estou na esquina.
- Voce deve ser muito perturbada, pra pensar que está na esquina, ao mesmo tempo que está aqui, comendo chocolate.
Ai, pensei, que cachorro inteligente. Deve ter lido Machado de Assis e Fernando Pessoa.
-------------
E.E.