Para contarmos a história que se segue, é preciso esclarecer que, Ã quela época, e naquela cidade, o transporte de pessoas era feito por charretes que, somente muito tempo depois, viriam a ser substituídas por automóveis de aluguel, posteriormente denominados carros de praça até que, futuramente, como até hoje, passaram a ser chamados de táxis.
As charretes tinham todas as características e seguiam as mesmas regras dos táxis atuais, mas, isso não vem ao caso. Vamos ao que interessa.
Meu cunhado era diretor da Escola Normal e Ginásio Estadual da cidade. Num dia chuvoso, ao chegar à principal porta de saída da escola, avistou uma charrete estacionada na rua e apressou-se a encaminhar-se para ela. Ao subir no veículo, porém, seu pé escorregou do "estribo" que estava solto e, por azar, bateu a canela, ferindo-a.
Proferindo impropérios, ajeitou-se no banco ao lado do "charreteiro".
Este, para proteger o passageiro (e a si mesmo) do chuvisqueiro, teve o cuidado de puxar uma lona, enganchando-a na capota da charrete. Depois, com aquele som característico emitido pelos lábios, deu partida ao veículo, acionando o quadrúpede que o puxava.
Meu cunhado, após fornecer seu endereço, com a canela ainda doendo, nervoso, começou a esculhambar com o charreteiro:
- Onde já se viu? O senhor precisa manter seu veículo em ordem. O senhor não faz manutenção periodicamente não? Afinal de contas, ele é seu instrumento de trabalho... Como é que o senhor deixa que ele chegue a esse estado de conservação? Além disso, o preço da corrida está cada vez mais alto. Tenha dó!
O condutor limitava-se apenas a olhar com o canto do olho, mas, não se atrevia a emitir uma só palavra. Nem para contestar, nem para se defender.
E as repreensões iam se seguindo, até que o veículo estacionou à frente da casa do passageiro. Este, após fazer mais algumas recomendações no que se refere a conservação e manutenção de veículos de tração animal, perguntou:
- Quanto é a corrida? Se bem que o senhor devia dar-me um desconto pela "canelada", não?
E o charreteiro, com o maior desànimo do mundo:
- Não vai lhe custar nada não, meu senhor, minha charrete não é de aluguel... Eu estava apenas esperando minha filha que ia sair da aula naquele momento, mas, como o senhor é o diretor da escola, não tive coragem de recusar-lhe a corrida. Um bom dia para o senhor, e me desculpe pelos dissabores.