Amanhecinzentou o dia. Plúmbeo céu, sol de boate, sonso e embiombado nas densas nuvens.
A casa despertou em lentos movimentos: bocejos, espreguiçamentos, chaleira chiando, menino manhando para não sair do que ainda resta de sono, espuma do creme mentolado, rosto sonelento espiando a gente com cara de pouca amizade no espelho defronte...o banho briga com o que restou da noite em nosso corpo.
Depois, o cheiro do pão quetinho de mistura com o aroma do café, do queijo fresco.
Meninos em alvoroço, disputando preferências, começando a gastar as energias acumuladas.
Recomendações maternas: "copia o dever de casa com atenção!"- "sim senhora". "coma o ovo sem se sujar" - "sim senhora". "lava bem o rosto antes de sair"- "sim senhora". "Passa o pente no cabelo"- "sim senhora".
Buzina no portão. Os meninos iam e já não vão.
- A ponte está interditada, diz a diretora. - Vim só para avisar que não vai haver aula. As professora estão todas do lado de lá...
- E agora ?
A vizinha põe o carro de volta na garagem e confirma:
- Não passa ninguém.
Ver para crer. Quem sabe, não dá para a gente meter o carro numa brechinha.
De longe, entretanto, a longa fila de carros parados, pesados e inúteis, troca de verde para cinza a cor dos nossos pensamentos todos.
Homens suados martelam a ponte, quebrando o que restou do asfalto.
Comentários: "Furou o cano". "O aterro foi-se"."Quem passar agora, talvez não possa voltar ao meio dia"."A culpa é do Governador, bem que o Prefeito quis fazer uma outra ponte".
Hemiplégica, a cidade quase inteira vem se ver da ponte, seu único meio de ligação com os bairros Jóquei e São Cristóvão.
Travessia da ponte a pé. Ladeira do Cruzeiro para subir. Horário para cumprir na repartição. Gente muito importante, suada e apressada, nivelada nessa mesma procissão.
Caminhando ao lado de minha mulher, conversando animadamente para não pensar no que ainda temos para andar, logo chegamos ao local de trabalho, renovando um prazer que há mais de sete anos havíamos trocado pelo comodismo rápido e silencioso do automovel.
O fato de hoje provocou em mim, a um só tempo, pensamentos recuados e futuristas, ilações tiradas da crise do petróleo e das inteligentes propagandas no sentido de economizarmos combustível: a ponte ficou interditada e o carro retido do outro lado, inútil, as pernas redescobertas como meio de locomoção e a ponte do passado estendeu-me suas ombreiras acolhedoras, sem aterros perigosos e ligou-me aos anos em que, sem cansaço e sem comodismo, eu percorria as ruas ensolaradas da minha cidade.
Quem sabe, os homens, depois da crise do petróleo, que sobe vertiginosamente de preço e vai rareando a cada dia, descubram algo melhor, muito melhor.