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Cronicas-->NATAL É SEMPRE IGUAL -- 26/11/2004 - 02:07 (JOSÉ RICARDO ZANI ) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ele liga o som e se ajeita na poltrona. Volume baixo, já é tarde. Na “agulha”, a imortal As time goes by. Contempla a árvore de natal à sua frente e procura relaxar, depois de um longo dia de ócio. Tem a sensação de estar bem naquele momento, pois algo na memória ensina que onde existe um arranjo de natal existem bons sentimentos e algumas esperanças. Acredita que a árvore ali acesa tem o poder de acender as mesmas coisas dentro dele.

Os olhos voltados para os enfeites reluzentes vão-se desfocando aos poucos, enquanto as cores e brilhos se desorganizam na retina.

Os pensamentos sobem pelo pequeno pinheiro e se desprendem da estrela vermelha como um asteróide no espaço. Voam para o passado e estacionam em algum Natal distante. Depois, nos mais recentes, e seguem no tempo, fazendo uma escala em cada festa que passou. Compara o Natal que está chegando com o de dois anos antes. Parecem diferentes. Compara os anteriores. Algo neles também foi diferente. Analisa os últimos cinco, dez, quinze... Será que este vai ser diferente de todos?

Ora, a árvore é igual, talvez mais bonita. As bebidas também, o panetone, a ceia, tudo será igual ou parecido. Rotina semelhante à dos outros anos. Só o presente dentro do pacote delicado não será igual. Ou melhor, se ganhar um presente, poderá ser parecido, mas não virá das mesmas mãos. Nem o abraço será aquele habitual, intenso e envolvente. Nem o olhar, nem o sorriso, embora não lhe faltem sorrisos e abraços muito calorosos.

Bem, mas há motivos para acreditar que, no geral, será tudo igual. Talvez o papaya com licor de cassis não seja exatamente igual ao que ela preparava, se é que constará do cardápio. O resto, tudo igual, ainda que não seja possível posar para a foto ao lado dela, com os sorrisos abertos para a lente sutil. Ah, também não vai acompanhá-la nas caminhadas pós-festas, para queimar eventuais excessos.

No mais, tudo igual, exceto a bagagem, antes entregue a mãos que a preparavam com certo jeito maternal, na deliciosa ansiedade que precedia as viagens.

Enfim, tudo como sempre, até (ou principalmente) a cerveja. Ele terá a cervejinha gelada, mas quando segurar o copo não estará observando à distância a agitação dela com a confusão dos pacotes ou com as mudanças de última hora na revelação do “amigo oculto”. Nem se aproximará para ajeitar os cabelos dela, que uma criança no colo sempre desalinha.

Mas tudo igual. Com exceção de detalhes, detalhes tão pequenos. Neste ano ele não irá correndo às lojas cheias para procurar o novo disco do Roberto, capricho de colecionadora, do qual ela nunca abria mão.

No todo, será um Natal como os outros. É claro que agora ele não passará horas pensando na delicada missão de escolher o presente dela, que, por preferir surpresas, jamais dava dicas sobre o que comprar.

Mas vai ser bom. Melhor se houver sorrisos, como houve em todos os anos. Quase sempre, também havia uma alegria natural. Em alguns, esperança. Em um deles, particularmente, houve muita esperança. Não saberá esquecer-se desse, quando ambos esperavam que tudo se acertasse. Acreditavam nisso e sorriam para o novo ano. Pode perceber agora que a maior das esperanças foi também a última.

De repente, nota que a música terminou. Então, recompõe as idéias e compreende. Não erraram por alimentar uma grande esperança. Quando ela existe, como naquele Natal, pode até não se realizar, como não se realizou. Mas por ser grande, talvez não se acabe... Se acabar, deixa lembranças, muitas e boas.

Respira fundo e promete à árvore piedosa que não vai deixar-se dominar pela síndrome do Natal triste... Aquela angústia de gente que fica triste nos momentos alegres, porque na hora de festejar com os presentes põe-se a pensar no ausente. Tampouco quer que ela seja vítima dessa síndrome... Aliás, acha, de coração, que ela merece ter um ótimo Natal. Mas que não se exceda no vinho branco.

Quanto a ele, jura que não vai sofrer nada disso. Não ficará tristonho ali diante das pessoas. Mesmo que, para isso, na noite de Natal tenha de afastar-se para ficar sozinho, quem sabe distraindo-se com os sons festivos na vizinhança. Ou com a memória martelando ecos de outros “natais”. Esses que não voltam mais...

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