Estas manhãs geladas de agosto, mês que geralmente já não faz tanto frio, em nosso País abençoado pelo clima geralmente quente dos trópicos, me remete há um passado já bem distante.
Manhãs do final da década de 50 época em que estávamos iniciando nosso período escolar, manhãs geladas de inverno em que acordávamos muito cedo para uma caminhada de no mínimo cinco Kilometros até o grupo escolar mais próximo para nos alfabetizamos, com nossos pequenos, mas resistentes pés descalços cortávamos aqueles caminhos trilhados pelo gado, roçando aquela relva ainda congelada pelo orvalho da manhã, alegres felizes e radiantes enfrentávamos aquele inverno rigoroso, com certeza mais muitas vezes mais rigoroso que os invernos de hoje, para irmos de encontro com algo desconhecido para nós que era a descoberta do aprender a ler e escrever.
Foram quatro longos anos de sacrifício, mudando de escola de professores de caminhos e trilhas, mas sempre com os pés descalços, até que no final do ultimo ano do grupo escolar, o que hoje significa a 4a série do 1o grau, ás vésperas de nossa formatura e de nossa primeira comunhão, já que naquela época recebíamos a primeira comunhão juntamente com o diploma de nosso primeiro aprendizado, ganhei como presente de minha professora que talvez tenha se comovido em me ver sempre com os pés descalços, meu primeiro calçado, era um mocassim, tipo 707 da vulcabras para usar na formatura e na primeira comunhão.
Parece tragicómico esse relato, mas não é, porque naquela época era muito natural crianças andarem descalços, já que as condições financeiras eram infinitamente mais difíceis quanto a que vivemos hoje.
Fiquei é claro muito feliz e satisfeito com o presente que ganhei de minha professora, mais feliz ainda porque iria usa-lo em uma ocasião especial, o mais difícil mesmo foi usa-lo durante tanto tempo, já que para quem acostumara com os pés descalços, aprisiona-los por algumas horas seria um martírio. Foi realmente um martírio, andar aqueles 5 kilometros com os pés calçados com meu mocassim preto brilhando cortando aquelas trilhas e aqueles caminhos pela ultima vez e ainda enfrentar a cerimónia pelo menos por mais umas duas horas. Mas depois de agradecer minha querida professora pelo presente, pedi desculpas a ela, tirei dos pés meu mocassim já meio chamuscado pela poeira da estrada e novamente com meus pés descalços saí correndo pelo pátio da escola a brincar com aquela criançada toda de pés descalços.
Meu segundo calçado é claro foi um Sapatão, para a lida na roça, já que naquela época o grupo escolar era para muitos o grau mais alto a ser galgado no aprendizado. Sapatão esse que usávamos tanto para a lida como para as ocasiões especiais como ir a missa aos domingos, Ã s festas no arraia, Ã s festas da Padroeira lá na cidade, usávamos o tal do sapatão até para batermos uma bolinha nos finais de tarde no campinho de terra batida lá da fazenda, já que chuteira naquela época era objeto de luxo e desejo.
Vejo nos dias de hoje nossos filhos, os filhos de nossos amigos, se alvoroçarem com o lançamento de um novo modelo de Tênis para comprarem para irem a escola. São modelos para colégio, para salão, para o trabalho, para todos os afazeres e todos os gostos, pés descalços nos dias de hoje é algo muito raro de se ver.