Houve uma eleição no reino das aves para que todos soubessem quem era o melhor cantor.
Entre os indicados, o Rouxinol tinha a certeza de sua vitória e voava com sua alegria. No coraçãozinho, carregava o orgulho do reconhecimento e a convicção da felicidade vindoura.
No dia da escolha lá estavam os penosos e plumosos mais ilustres. Pavões, canários, pintassilgos, uirapurus e até mesmo os singelos pardais.
Agitação nas árvores, a eleição correu tranquila. Nem tanto a apuração. Nervos à flor das penas, cada voto era festejado ou contestado sob fortes pios, arrulhos e trilares.
Porém, pobre rouxinol, o prélio seria decidido de acordo com os votos das mais insignificantes aves. Corvos, abutres, urubus e gralhas.
A vitória foi apertada, e mesmo após acirrada recontagem, ratificada em favor da majestade sabiá. Cabos e corvos eleitorais abriam as asas e embalavam o vencedor.
O rouxinol, esquecido e humilhado, bateu suas pequeninas alas e voou. Voou para lugar incerto, deixando-se levar pelo vento que fustigava suas asas e corpo tomados pela desilusão.
Com o canto de seus olhos lacrimejantes, o rouxinol vislumbrou no meio de um roseiral uma vermelha e frondosa rosa. Única no local serpenteado de espinhos. Resolveu então correr o risco e aquecer seu coraçãozinho diante de tão bela flor.
A flor parecia ser a solução. Algo tão belo só poderia ser uma obra divina de Deus. Algo que deveria estar exposto no Prado ou no Louvre.
Porém, ao se aproximar, o rouxinol percebeu que não seria fácil. Os espinhos eram afiados, proeminentes, agressivos, como se soubessem que o pequenino poderia trair seu destino e ser feliz com aquela rosa.
Ele tentou, tendo o céu como testemunha. O vento cessou, o silêncio imperou. E o rouxinol se aventurou. Mas sua aventura foi interrompida e o destino selado.
Em um bater de asas em falso, um espinho penetrou seu coraçãozinho. O vermelho de seu sangue se confunde agora com o rubro da rosa. O vento volta a farfalhar os espinhos, como se estivessem anunciando o fato.
Os espinhos, ciumentos com a beleza da rosa e com o cantar do pássaro, se vingam da natureza que os proveu de uma feiúra clamorosa e de uma agressividade infundada.
Em seus últimos batimentos, porém, o coração do rouxinol reflete e pára feliz, pois pelo menos por alguns momentos teve a alegria e a esperança de ter definitivamente aquela rubra flor, que mais parecia uma anjinha que voa a tocar harpa ao redor das barbas de Deus.