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Cronicas-->O Causo do Mané Tibiriçá -- 24/03/2005 - 02:23 (Jactâncio Futrica) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Causo do Mané Tibiriçá


Ouvi a impressionante lenda do espantalho Tibiriçá pela primeira vez numa conversa de boteco; mas ele se apresentava então como Maria, não Mané. O enredo também diferia um pouco do "original", que descobri dias depois.

Conversávamos sobre esses falsos prodígios envolvendo imagens de santo, aparições, luzes etc que, de quando em quando, são alardeados por um vivaldino qualquer e que acabam gerando uma onda de histeria religiosa generalizada, apesar dos claros sinais de presepada que se evidenciam de cabo a rabo nessas situações.

Eu contava um episódio ocorrido aqui mesmo em Itacunucu há quase sete décadas. Dois tios meus, molecotes à época, banhavam-se no rio, ali perto da Ilha das Andorinhas. Nisso, acharam uma imagem de santa com os pés quebrados à beira d´água. Um deles encasquetou de carregá-la consigo. No caminho de volta, atalhando pelos pastos onde hoje se encontra o bairro Maria Zélia (ou Morro dos Cabritos), o menino começou a se cansar; aquela relíquia duvidosa não valia o esforço. O instinto de colecionador que ficasse pra outra. Aninhou a santa no oco dum cupinzeiro, ao lado duma mina d´água. E seguiram caminho, os dois, despreocupados e fagueiros.

Não demorou muito e a santa foi descoberta pelas almas pias da cidade. Começaram a correr boatos de curas milagrosas de pessoas que haviam bebido a água da mina. Não deu outra: todo fim de semana acorriam caravanas de fiéis da vizinha Pinote do Aragão, pra rezar e se molhar naquela água. Enciumado com a movimentação, o prefeito daquela cidade (de que Itacunucu era então distrito) encomendou o sumiço da imagem. Foi o fim das caravanas e do auspicioso movimento que se dava no comércio nos dias de peregrinação.

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Ouvindo isto, seu Carlim, velho coiote, se animou. "O que você não sabe é o causo do espantalho que virou santa..." E emendou a seguinte história.

Um peão havia plantado uma roça de milho à beira do rio. Todos os dias os passarinhos vinham se empanturrar na plantação sem dar a mínima ao espantalho que ali montava guarda _ e que, pelo menos até a última safra, desempenhara razoavelmente sua função de afugentá-los. Como já estava bem esmolambado, o matuto resolveu caprichar um espantalho novo. Foi o que fez; esmerou-se até demais. Em vez duma figura tosca metida num terno listrado, uma boneca vestida de noiva com grandes olhos de conta de vidro, cabelos de linha de algodão, boca de veludo vermelho... Enfim, um primor!

Maria Tibiriçá, como ficou conhecida, espantava até maus espíritos. Até que um dia caiu um pé d´água, desses que botam tudo abaixo, e lá se foi a `espantalha´, carregada pela enxurrada, depois pelo rio. Dali a uns dias, e quilómetros adiante, um pescador fisgou a bonecona e, admirando-se de sua perfeição, teve uma idéia matreira. Construiu uma capelinha de pedra e começou a apregoar a santidade daquela pretensa aparição. Como não podia deixar de ser, uma multidão de desvalidos começa a acorrer ao local... os testemunhos de milagre só se multiplicando... uma pitada a mais de invencionice a cada repasse do peixe...

Em meio a tantas narrativas maravilhosas, o próprio maroto que havia preparado aquela burla começou a se convencer de que o tal espantalho devia mesmo ser um presente dos céus. Sua desavergonhada tramóia _ quem sabe? _ teria sido motivada por inspiração divina! Resolveu franquear seu sítio à multidão num dia de domingo (desta vez sem cobrar ingresso), julgando assim tornar-se mais merecedor da graça que pretendia: curar um filho seu, cego de nascença...

Já pelas sete da manhã o local estava tomado por gente de todo tipo: era rico, pobre, velho, moço, doutor, pé-duro, católico, macumbeiro, groteiro, fazendeiro... cada um com a sua íngua. O velhaco aparece com o filho; a face contrita como sempre mas desta vez sem a teatralidade fajuta que costumava ostentar nessas ocasiões. Pois bem, qual não foi sua surpresa! Logo que tocou a boneca, os olhos embaciados do menino rebrilharam à luz do sol. Um comovente sorriso se desenhou em seus lábios. Exultante, ele se volta pra multidão, braços abertos, a esbater as pálpebras feridas de luz... E manda esta linda mensagem: "Mas que bela cambada de otários são vocês, hem! Até eu que era cego até um minuto atrás já manjei tudo. Isso aqui não é santo porcaria nenhuma! É só a Maria Tibiriçá!!

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Dias depois um amigo, pescador e conhecedor de muitas histórias, me contava que um tal fulano, conhecido seu, tinha fisgado uma roca muito antiga em tal lugar, rio abaixo. Aproveitei a ocasião pra lhe pregar uma peça. Comecei a narrar a história do espantalho como se fosse um caso verídico ocorrido a poucos dias, pra no final decepcioná-lo com a tirada do menino cego. Ele levou a sério de começo, mas me atalhou a certa altura. "Pó, isso aí é a história do Mané Tibiriçá! É uma música que o pessoal cantava antigamente..."

Segundo ele, tal música contava que um menino (que não era cego) tinha se afeiçoado muito ao espantalho que seu pai colocara no milharal. Conversava com ele, brincava e tudo mais. Era sua única companhia. Batizou-o Mané Tibiriçá. A chuva o levou, um pescador o achou. Desta vez, o pescador era um ingênuo; julgou ser de fato uma imagem santa. Construiu uma capelinha com um altar pro Mané... O menino perdera a fala, traumatizado com o sumiço de seu amigo _ que por sua vez já estava distribuindo graças a torto e a direito lá no sítio do matuto. O pai, que já havia recorrido a todo tipo de médico, ficou sabendo do santo milagreiro, e pra lá rumou com o filho... Ao aproximar-se do altar, em meio à multidão de fiéis, o menino recupera a voz. Só de raiva! "Êta cambada de inguinorante! Ceis pensa que me engana, é? Esse cara eu já conheço! É o Mané Tibiriçá!"

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"Mais cego é aquele que não quer ver." _ essa poderia ser a moral da história, na primeira versão, que é a mais "deturpada".

Na segunda, pode ser mais ou menos isso: o milagre, quando acontece, é à revelia de nossos esforços, providências, sacrifícios.

Provavelmente `Mané Tibiriçá´ é um desses causos antigos _ como o do João Soldado, de origem lusa _ que vão ganhando novos lances, sotaques (e até canções) em sua viagem pelas estradas, bares, lares, oficinas mecànicas, cafezais, barbearias, postos de gasolina, cyber cafés ...

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p.s- ouvi mais uma versao, dia desses. Era uma vez um BONECO DE PICHE... historinhas de avó.











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