Não foi um amor à primeira vista. Pelo contrário! Pode-se dizer com toda propriedade que esse amor foi construido aos bocadinhos, um convívio que durante muito tempo foi acumulando amizade, respeito, admiração e ternura, temperado por uma ajustada e intensa parceria sexual e emoldurado por satisfatória convivência intelectual.
Levou oito anos para cristalizar a convicção de que se tratava de um sentimento forte, completo, capaz de suportar um relacionamento duradouro.
Pelo menos para ele, Pedro, casado, dois filhos já crescidos, uma vida bastante estável, inclusive financeiramente.
Advogado com banca no Rio de Janeiro, em moderno prédio na "Praia de Botafogo", Pedro estava com quarenta e oito anos de idade e era casado há vinte e quatro, com Virgínia, formada em museologia, mas sem qualquer atividade profissional.
Sócio de três outros advogados, respondia no escritório pela área tributária, circunstància que o obrigava a viagens quinzenais a São Paulo, tanto para atender a consultas das empresas a que dava assessoria, como para participar de cursos e congressos, eventos cada vez mais frequentes.
Foi numa dessas viagens que conheceu Dora, paulista de Baurú, solteira, u`a morena alta, esguia, rosto expressivo e jovial, linguagem destemperada, uma pessoa muito profissional e pragmática. Dora era gerente financeira de uma multinacional, onde trabalhava desde mocinha. Formada em economia, com mestrado na USP, tinha trinta anos de idade.
Conheceram-se num desses bares para drinks de fins-de-tarde que a macaquice dos executivos nacionais começava a copiar dos hábitos de seus correspondentes americanos.
Pedro estava alí com seu amigo Arthur, diretor jurídico de uma firma sua cliente, enquanto Dora era frequentadora habitual, participande da roda que juntava gente de bancos e da Bolsa de Valores.
Arthur conhecia duas pessoas do grupo e, assim, as mesas quase juntas serviram à aproximação de Pedro e Dora.
Conversaram bastante e quando todos foram saindo ele levou-a para um último drink no bar de seu hotel, onde acabaram jantando.
Pedro encantou-se com ela, u`a mulher aparentemente destemida, livre, informal e muito franca nas suas opiniões. Bonita, sensual, um tipo atraente mas nada de chamar a atenção. Sua principal característica, ele reparou logo, era a mordacidade, a ironia, sintomas de inteligência vivaz.
Acompanhou-a à saida do hotel e assistiu ela arrancar veloz no seu belo Escort vermelho.
A partir daí passaram a sair juntos toda vez que Pedro ia a São Paulo, praticamente duas noites a cada quinze dias, encontros que os levavam a teatros, restaurantes, boites e à cama.
A princípio, aquilo não passava de uma relação casual, uma amizade colorida, como se dizia então, sem qualquer compromisso de parte a parte.
Pedro não conhecia quase nada da vida de Dora, embora lhe tivesse passado os principais dados a seu respeito.
Numa sexta feira em que era feriado em São Paulo, inventou uma viagem ao sul e passou com ela um longo fim-de-semana em Curitiba.
Foi a primeira vez que póde conviver com Dora, uma experiência que o deixou encantado.
De outra feita, levou-a ao Rio de Janeiro. Ficaram num hotel-fazenda e ele disse em casa que iría ao interior comprar um sítio, sonho acalentado por toda a família.
Esses contatos mais íntimos deram-lhe a certeza de que Dora era a mulher com quem gostaria de viver sua fase de maturidade, não porque ela fosse mais jovem e sim pela natureza tão completa e plena de seu relacionamento com ela.
Sutilmente, de modo quase imperceptível, foi deixando formar-se em sua mente a idéia de separar-se de Virgínia.
Sua grande dúvida era o sentimento de Dora. Afinal, nesses anos todos de convivência, não sabia se ela o amava, pois continuavam encontrando-se descompromissadamente, da mesma forma como no início. Cada um cuidando de sua própria vida. Ele não sabia sequer se Dora tinha algum namorado em São Paulo pois nunca trataram dessa questão.
Resolveu, contudo, ir em frente e correr o risco.
Sabia que Dora queria passar suas férias em Maceió, no começo do ano, e pediu-lhe que as marcasse para fevereiro. É que nesse período ele ficaria uma semana no Recife, participando do congresso nacional dos advogados tributaristas.
E assim aconteceu.
Do congresso, assitiu apenas à sessão solene de abertura. Passou dois dias com Dora na ilha de Itamaracá e quatro dias em Natal, uma lua-de-mel inesquecível.
Foi nessa ocasião que lhe falou de seu projeto de largar a família e viver com ela. Iria morar em São Paulo, afinal seus principais clientes estavam lá.
Dora ficou muito surpresa e insegura com a proposta. Achava que as coisas deviam continuar como estavam, mas pediu tempo para pensar. Daria sua resposta quando voltasse de Maceió.
Pedro regressou ao Rio e decidiu que era hora de preparar a mulher para a possibilidade da separação.
Teve uma longa conversa com Virgínia, muito dígna e piedosa, pois omitiu completamente o motivo.
Preferiu atribuir sua inquietude ao desejo de mudar o tipo de vida, recusar a monotonia a que estava submetido. A mulher se entregara a uma rotina desgastante, o antigo amor virara uma relação de mera conveniência e conformismo.
Mas não deu a coisa como um fato consumado. Colocou suas intenções no plano das hipóteses, dizendo acreditar que eles ainda poderiam fazer um esforço para restabelecer um clima de mútuo interesse no casamento.
Os vinte dias que Dora ficou em Maceió foram seus momentos de maior ansiedade na vida. Chegou a ligar para ela algumas vezes mas não a encontrou no hotel.
Sabia, contudo, o vóo em que ela voltaria para São Paulo, com escala no Rio e resolveu fazer-lhe uma surpresa: um gesto de adolescente!
Convenceu o supervisor de terra da companhia aérea a deixá-lo entrar no avião e lá se foi ele pelo longo corredor, com um buquê de rosas vermelhas nas mãos à procura de Dora.
Ela não estava naquele vóo!
Presenteou a cobradora do estacionamento com a flores - um gesto que a deixou perplexa e encantada - e voltou para casa derrotado e envergonhado.
Dois dias depois telefonou para São Paulo e ouviu que estava tudo acabado entre eles, embora ela concordasse em jantar com ele na semana seguinte.
Foi uma despedida muito triste para ambos e decepcionamente para ele. Dora confessou-lhe que amava um colega do tempo da faculdade, uma pessoa infelizmente de caráter dúbio, de quem se separara há anos.
Reencontraram-se em Maceió, foram vinte dias maravilhosos e resolveram casar-se.
Lamentava profundamente a situação; ele erá o último sujeito a quem ela magoaria. Mas, assim era a vida!
Pedro levou mais de um ano sem saber dela e já havia superado sua frustração quando voltou a vê-la no mesmo bar em que se haviam conhecido.
E aí soube do que acontecera a ela.
Depois que rompera com ele, Dora conseguiu uma licença na firma e tocou-se para Maceió, sem nenhum aviso ao futuro marido.
Ao desembarcar no aeroporto, José Anselmo, o namorado, foi a primeira pessoa que ela viu: tinha ido receber a noiva que chegara no mesmo avião que ela, vinda da Disneylandia via Rio de Janeiro, uma ruiva bonitinha, filha de conhecido usineiro de Alagoas.
Dora lhe disse que passara o anto todo curando aquela terrível decepção, que quase a leva ao suicídio.
Tinha pensado muito nele, Pedro, e nas peças que a vida prega à s pessoas ...