Eu não entendia o cubismo. Gostava, porque de arte se gosta mesmo sem saber exatamente porquê. Mas não entendia mesmo. Parecia-me um desenho quase infantil. Não bonito, nem feio, apenas conteúdo estético e interessante, que gostava sem mesmo saber porquê.
Outro dia desses, percebi, assim por acaso o cubismo. Não estava olhando para uma tela de Picasso ou outro pintor qualquer. Estava olhando as pessoas na rua, pensando em nada de especial, estava apenas observando e registrando em minha memória mais um dia. De repente, não mais que de repente, uma làmpada se acendeu em minha mente. De repente olhava as mesmas pessoas de sempre interagindo de forma diversa, em vários planos diferentes de fronte, de verso, de perfil e minha percepção começou a desenhar quadros cubistas ao registrar novos fatos, novas gentes, mesmas gentes. De repente tive essa amplitude, assim sem mais nem menos, como um lapso de memória no momento mais inoportuno.
Depois disso, continuo a gostar de cubismo da mesma forma, nem mais nem menos que antes, só que agora vejo no cubismo mais que imagens superpostas, confusas e multifacetadas, vejo as pessoas com suas experiências de vida superpostas, confusas e multifacetadas. Agora penso que, talvez, um pintor cubista pintasse não apenas um momento no espaço-tempo, mas toda uma história, uma pessoa que transcende apenas um breve momento e que se leva anos para entende-la, aceita-la não em sua beleza e perfeição, mas na sua frágil e imperfeita realidade do ser como é no dia-a-dia.