Pai, quando eu era criança eu achava que você falava 7 idiomas, tinha sido melhor que Pelé no futebol e só não era Presidente do Brasil porque não teria tempo de governá-lo entre uma viagem e outra. O tempo foi passando e minha admiração continuando por ver que você, mesmo sabendo que você não falava 7 idiomas, que nunca seria melhor que Pelé e que provavelmente nunca seria Presidente do Brasil, era meu pai, meu herói. Meus sonhos foram mudando, e aos poucos eles se tornaram um tipo de antíteses do que eu sonhara antes. Não sonhos descrentes, mas sonhos reais. Não queria ou não precisava de um pai que falasse 7 idiomas, mas que falasse um oi de vez em quando ao telefone quando eu distante estivesse, como sempre. Não precisava de um pai melhor que Pelé, mas queria um pai que nos intervalos de todos os campeonatos que disputei, e ganhei a maioria sendo artilheiro de quase todos, uma orientação, apoio ou críticas de posicionamento. Não queria um pai Presidente do Brasil, mas sim um governante em casa, compartilhando problemas internos, participativo e cooperativo. Esforcei-me em ver meu pai mais humano do que um herói irreal que eu criei na infància, e vi em casos esporádicos. Não precisas dividir seus problemas com ninguém, mas assim afastastes também dos nossos.
Lembro da primeira e única conversa lúcida que tivemos em meus 25 anos de vida. Quando estávamos só eu e você em casa, a mãe e o Bruno acho que tinham ido a uma excursão de colégio, eu devia ter meus 15 anos e você me falou pra tratar melhor meu irmão porque ele me defendia de tudo, pra eu valorizar isso. Depois desse dia vi meu irmão com outros olhos visto que o amava e meu pai, meu herói que falava 7 idiomas tinha me pedido pra que assim o seja.
Sempre fui meio revoltado, meio atrapalhado, meio doidão como você próprio me chamou uma vez, quando conversamos pela segunda e realmente última vez na vida. Dessa vez não tão sóbrios, já que tínhamos mamado de 10 a 15 chopes cada um, e você disse-me que iria me internar por eu ter cheirado pó algumas vezes. Buscou entender-me pai? Nunca roubei, nunca te envergonhei, nunca passei a perna em ninguém, mas me diga, você sabe disso? Larguei as drogas porque quis, por opção, nunca por pressão. Hoje em dia não me arrependo de nada que fiz porque tudo foi instrumento de aprendizado pra meu crescimento que venho galgando há anos e anos sempre buscando o topo do mundo, o instante eterno da vitória.
Se você soubesse pai como cresço aqui nesse canto da Terra. Se eu quisesse ter desistido eu já o teria feito há muito tempo. Não posso desistir porque tem pessoas que acreditam em mim, pessoas que depositam em meus ombros a responsabilidade de apontar a direção correta ou menos rota da vida. Não quero desistir porque o que acredito me move, o que acredito me sustenta e muitas vezes trópego e cambaleante sigo em frente porque sentar numa poltrona confortável e esperar o próximo dia é pra mim a beira da insanidade. Eu vim pra mexer, cutucar, fuçar, revirar...
Mas, no fundo, do que lamentar? O que poderia ter sido diferente? Acredito que nada, porque se assim foi assim teria de ser. Mas sempre me pergunto, onde foi que se cortou o fio invisível que une as pessoas e que nos desuniu a todos em casa? Foi quando você descobriu que eu fumava maconha? Ou quando descobriu que eu cheirava pó? Ou quando percebeu que eu bebo demais? Ou quando eu ia mal nas aulas e na escola? Ou quando me viu envolvido numa prisão que eu nunca tive culpa nenhuma, mas até hoje não sei nem nunca soube se você concorda com isso ou não? Quando? Eu nunca saberia dizer-te porque todos seus problemas você os engoliu aumentando a angustia e construindo inconscientemente uma muralha envolta de você mesmo impedindo as pessoas que chegar a ti.
A vida é bela, é longa, é única até que provem ao contrário. É a sua chance, tem de ser agora, já, nesse instante. Está-se triste; o que esperar então? Nada cai do céu, e você sabe disso melhor que eu, então, porque não virar a mesa, dar chutes no vento, socos no ar, reagir perante a mesmice do cotidiano que mata a todos, principalmente os que esperam algo cair do céu. Invente, se reinvente, dance na chuva pelado porque tem quem o faça também, e ali encontrarás o seu espelho, e se verás não tão a sério assim. E o melhor da vida é também ser idiota quando necessário, porque eu preferiria tudo, menos a estagnação perante tantas possibilidades que se descortina perante nossas pequenas e humildes vidas. Verás que podemos rir, cantar, brincar feito idiotas, mas felizes, satisfeitos, plenos também. Não se leve tão a sério demais, somos muito imperfeitos para isso.
Pare de achar-se perseguido, encurralado, e sempre tentando transfigurar suas inseguranças materializando-as em motivos inócuos para brigas, sempre de armas na mão atacando seus "inimigos" invisíveis criados por você mesmo e que, de tão absurdo, nada mais são que eu, Bruno e mãe. Se você soubesse como nos preocupamos e conversamos sobre você, sua saúde, seus atos, e de nossas bocas nunca sai, nunca saiu nem nunca sairá uma palavra sequer senão palavras compreensivas e de pesar, tentando entender o porque de tudo.
Acredito pai que você esperou muito por esse dia, você esperou muito pela solidão. Acredito que te incomodávamos tanto que preferiu a companhia do silêncio. Nunca quisemos te incomodar, mas conviver é isso no mínimo e 1 milhão de outras coisas mais. Conviver é difícil, requer concentração, divisão, cumplicidade, amizade, respeito, paciência, etc... e quando falta um desses itens existem os outros pra segurar a barra, aguentar firme fortalecendo-os sempre a cada degrau subido, a cada obstáculo superado. Mas, e quando faltam todos?
Quero te dizer pai, que te amo do mesmo jeito de quando eu era uma criança, mas meus sonhos hoje são diferente, moldados pra vida real, mas totalmente atingíveis se assim o quiser. Pai; queria!!!
FELIZ ANIVERSÁRIO... te amo, to bem pra caramba, minha vida está muito bem trilhada graças, em grande parte a você, a mãe, ao Bruno e a mim mesmo que QUIS... te cuida cara, por favor!