De repente, quando quis pensar vi-me sem cérebro! Onde foi parar esse emaranhado de carne elétrica que normalmente fica enclausurada dentro na caixa craniana? O que fazer com essa quase esfera cheia de pêlos, nariz, boca e orelhas sustentados pelo pescoço que mais parece um pedestal maluco? Deixar exatamente onde está seria a atitude mais sensata? E agora, como irei resolver meus problemas? Sem cérebro acredito que não se possa pensar, mesmo eu acreditando já ter conhecido muitas pessoas sem cérebro que conseguem andar e assoviar ao mesmo tempo. Mas não sei se eu seria capaz de tamanha façanha. Como irei reclamar da conta de buteco que sempre toma nota de cervejas que nunca tomamos? Como irei saber distinguir entre um bife bem passado e uma moqueca de rato? Como poderei dizer as horas para alguma pessoa que me pedir as horas?
Fico aqui tentando refazer meu percurso até chegar aqui pra tentar lembrar onde foi que perdi meu precioso cérebro igual fazemos quando perdemos nossa preciosa chave do carro. Mas não estou conseguindo me lembrar do caminho porque me esqueci que estou sem cérebro. Bom, o que me contenta é que poderei conversar idiotices com todos agora e daqui pra frente sem nem perceber. O que me contenta é que daqui pra frente poderei ficar falando de moda, ou melhor, falando mal da roupa dos outros sem nem ficar com peso na consciência e/ou achar-me um completo idiota. Conseguirei me conformar com coisas que normalmente não me conformo como, por exemplo, conviver com pessoas sem cérebro, porque agora entrei pro clube dos que dentro da melancia craniana só o que existe é tudo e somente titica de galinha. Meu tema favorito de discussão será: a vida alheia. Porque não? É assim que funciona a vida de um a-cerebral, ou não é?
No fundo não estou triste. Daqui pra frente sofrerei menos, me importarei menos, tudo ao meu redor será banal e superficial. Pra quê querer ser inteligente, sofre-se muitíssimo mais. O melhor mesmo é ser uma pessoa sem cérebro e seguir a vida abraçado sempre as maiores e mais incríveis banalidades existentes na vida. Pra quê tentar lutar sozinho, pra quê se desgastar tentando dizer, fazer, modificar, fuçar, cutucar, refazer, reinventar? O melhor é somente ser o que todos esperam que você seja, aceitativo e calado como um grandessíssimo e patético manipulável ser, sem cérebro, somente um ser.
No fundo estou cansado. Acredito que preciso de combustível. Sozinho é quase impossível e meus maiores aliados estão longe, tentando, acredito eu, mudarem sozinhos também o que é quase imutável de se mudar quando sozinho. E não falo aqui da mudança da geladeira de um endereço a outro. Porque isso sozinho também não se faz, ou seria tão difícil quanto.
Será que desisti? Será que aposentei meu cérebro deixando-o junto aos meus troféus de natação 100 metros rasos sub-7 anos pra conseguir viver em paz, mas estúpido. Será que irei preferir assistir novela a ler um livro? Será que deixarei de beber no manancial sagrado meu combustível diferencial? Será que minhas forças se esvaíram em troca da aceitação inerente aos fracos? O que será que ando querendo dizer? Será que preferi, de repente, a burrice dos cegos felizes ao sofrimento dos que enxergam? Minha luta é desleal, tal como esse recente massacre que chamam de guerra entre os E.U.A. supersónicos e o Iraque desarmado, faminto, pobre e fudido. Ah se eu já estivesse sem cérebro naquela época estaria pouco me lixando pra eles.
Agora dá licença que irei praticar tai-chi-chuan com camisa de força no jardim do manicómio.