A fábrica de farinha de milho resolveu presentear os funcionários da agência bancária com um saco da sua especialidade. Fim de ano, essas coisas. O banco informou o número de empregados e o brinde foi mandado na quantidade exata.
Iluminado por princípios éticos irretocáveis, o gerente recomendou ao contínuo zelo especial na distribuição do produto. Um erro e alguém poderia ficar sem saco.
Na hora da distribuição, Pacheco estava ausente. O contínuo colocou o saco dele (Pacheco) em sua (dele, Pacheco) gaveta. Mais tarde, percebendo que estava sem saco, Pacheco foi reclamar ao gerente. Diante da gravidade do problema, o homem saiu de sua sala espumando. Correu até o saguão da agência - Ã quela hora entupida de gente - e berrou: "Quem é que tá com dois sacos aí?"
Os clientes, que não faziam idéia do que se passava, assustaram-se. Os homens, por via das dúvidas, passaram a mão pra conferir. As mulheres apenas sorriam, enigmáticas. O gerente continuou: "O Pacheco tá sem saco. Alguém surrupiou o saco dele e eu vou descobrir quem foi, nem que seja a última ..."
... Coisa que faço na vida. Todo mundo conhece o chavão. Mas surtiu um efeito danado. Fez-se um silêncio ... (Eu ia dizer "sepulcral", mas creio que não precisa.) O comandante, aos gritos, pro contínuo: "Onde foi que você colocou o saco do rapaz, seu irresponsável"? "Ah, eu fiz como o senhor mandou. Coloquei na gaveta. Ele não tava nem aí. Botei pra dentro."
Recapitulemos. Tudo isso acontecia em meio ao expediente bancário. Funcionários perfilados, aguardando o pelotão de fuzilamento, o atendimento ao público paralisado. E o nosso Sherlock ... Não. O nosso detetive prosseguia: "Cada vez fica mais claro. Alguém passou a mão no saco. Foi você, Gabriel? Tá bom, não precisa fazer essa cara. Sei que você não é disso. Foi você, Mara? Você já não tem o seu saco? Um não é suficiente?" Ela, com desdém: "Se for como o meu, é mais do que suficiente. Se for como o do Pacheco, não sei ..."
O investigador engoliu a raiva e não desistiu: "E você, Odilon, não viu o saco do Pacheco"? "Nunca, chefe. Nem em pescaria." O contínuo chega no gerente e cochicha algo em seu ouvido. O homem fica mais incisivo: "Seu Odilon, corre por aí a notícia de que o seu saco está estragado. É verdade"? Odilon disfarça: "Não extamente estragado ..." Esqueceu que o chefe era hábil com as palavras: "Não exatamente estragado quer dizer sim, mais ou menos estragado. É isso, seu Odilon?"
Ele pigarreia, mas ainda resiste: "Pelo amor de Deus ..." "Não bota Deus no meio, que Ele não tem saco." "Por favor, chefe. Meu saco tinha só um furinho de nada. Nem tava vazando farinha. Não era motivo pra me desfazer dele. Ainda cumpria sua função. Mas vamos admitir que eu quisesse fazer a bobagem de abandonar um saco em bom estado." O gerente sacou rápido de novo: "Ah, então o senhor admite ..." Odilon retrucou: "É só por hipótese, chefe. Pra mostrar que o senhor tá errado. Veja bem: seu eu quisesse o saco de outro, o mínimo que eu faria pra não despertar suspeita era deixar o meu no lugar. Toma lá, dá cá. Troca-troca, o senhor entende?"
Antes que o gerente tivesse um troço, Pacheco não aguentou: "Chefe, calma. Eu vou explicar tudinho pro senhor. Retiro a acusação. O Odilon não tocou no meu saco sem pedir... Fui eu que dei o saco pra ele segurar. A idéia foi minha".
Pacheco era um negrão de um metro e noventa. Choramingando, com a platéia boquiaberta, continuou: "A gente achou que devia ter algum saco sobrando com o senhor. Por isso fui reclamar. Achamos que um saco não ia fazer tanta falta. Nunca imaginamos que um saquinho faria tanta diferença pro senhor, chefe. Vamos parar com isso, por favor. O senhor pode fazer o que quiser com o meu saco ..."