Carrego comigo velhas imagens, lembranças antigas, guardadas num cantinho da memória, hibernando nos escaninhos empoeirados do tempo, apenas, espreitando a vida ao redor, aguardando uma oportunidade mágica para despertar e vir ao mundo real outra vez: a mercearia do Senhor Ramos, o Gambetá, os trilhos do bonde, as propagandas do Royal Briar, do Melhoral, do cigarro Hollywood, do Leite de Magnésia de Philips...os pregões, os doces pregões que enchiam de música o ar da Avenida do Imperador: Doce Gelado!; Macaúba; Biquara e ariacó; panelada! Fígado gordo; sapateiro!; Correio...Povo...(a voz do Perigo Amarelo, cadenciada, respondendo com palavrões as provocações irresponsáveis da meninada)...
Os odores: o cheiro forte de café que subia da moageira, principalmente nos dias de chuva, quando o ar ficava mais cheio de umidade...
O rosto sereno de minha avó, limpinha, cabelo penteado em cocó, os passos tardos...
As novelas radiofónicas das oito na Ceará Rádio Club...as transmissões esportivas na Uirapuru...
E o novelo do tempo desfiando, desfiando, levando a gente de roldão para um futuro que era tão distante naqueles dias e que hoje, da altura em que nos encontramos, fica tão perto de qualquer desenlace.