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Cronicas-->SECOS E MOLHADOS -- 28/11/2005 - 22:16 (Magno Matheus da Rocha) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SECOS E MOLHADOS

MAGNO MATHEUS DA ROCHA

Antes do surgimento dos grandes armazéns e depois dos supermercados, que hoje dominam o comércio de comestíveis e outras tantas mercadorias e produtos, o que prevaleciam eram os armazéns de "secos e molhados". Neles eram encontradas as mercadorias chamadas "secas", como feijão, arroz, farinha, etc. E as bebidas, que eram "os molhados".
No Rio de Janeiro, antigo, os armazéns de secos e molhados estavam em toda parte, pois era neles que as donas de casa faziam suas compras. Quem dominava esse mercado eram os portugueses, povo talhado para esse tipo de comércio, mesmo porque eram descendentes dos colonizadores, pessoas iletradas, ou emigrantes que ainda vinham para a nossa terrinha à procura de trabalho.
Se em São Paulo, prevaleciam os italianos e japoneses, no Rio eram os portugueses que preponderavam. E as "anedotas do português" foram se espalhando e perdurando até hoje.
Como os lusos trocavam o b pelo v e vice-versa (ou "bice-bersa"), os ovos, naturalmente, eram chamados de "obos", mesmo porque eram "votados" pelas "abes". Se acontecia que alguém discutisse com um português e o xingasse de qualquer nome, ele respondia : "é a bó"!
Nesses armazéns de secos e molhados era comum a compra fiada e anotada em um caderninho. O caderninho tinha força de fé, não precisando de assinatura do freguês nem de reconhecimento de firma. A despesa era anotada e pronto: valia mais do que os cheques de hoje e mais do que palavra de políticos, mesmo que sejam do PT (ou especialmente).
Ainda hoje essa prática ainda prevalece nas pequenas cidades do interior fluminense e sem causar quebradeira nos pequenos armazéns e quitandas.
Os donos desses armazéns de secos e molhados eram tidos (e eram) pessoas honestas e, por isso, acreditavam na honestidade de seus fregueses, além do receio de perdê-los.
Nas quitandas, espalhadas nos diversos bairros e subúrbios do Rio, a prática era a mesma. Nelas eram encontrados "berduras" e legumes, tais como as "bagens" e "avovoras".
Nos açougues, de modo geral explorados pelos portugueses, eram vendidas carnes de "baca" ou de "voi".
Com a expansão do comércio e o crescimento da demanda, essas casas foram, aos poucos, sendo substituídas pelos supermercados de hoje, onde palavra nada vale: o que vale mesmo é o dinheiro ou o cartão magnético. E olhem lá!
Quando eu e minha esposa alugamos um apartamento assim que nos casamos, ele pertencia a um amável português que era conhecido como "Seu Bacalhau". Tinha uma quitanda e só andava de bicicleta. E com isto ele economizou o bastante para construir dois prédios de apartamento.
Agora vejamos o senso criterioso do Seu Bacalhau (Vacalhau, no bom português): eu e minha esposa já estávamos morando próximo a um ano (quando terminaria nosso contrato) quando um jovem casal, naturalmente recém casado, perguntou a ele se tinha um apartamento para alugar. Ele ficou com dó dos casadinhos e me contou o "drama" de sua consciência: queria servir àquele jovem casal, por isso nos pediu o apartamento, pois sabia que tínhamos uma casa próxima cuja reforma já estaba terminando, além do que, percebemos, estava estimulado pela cobrança de um maior aluguel.
Não criamos problema, nos mudamos para nossa casa e continuamos amigos. Quantos "Vacalhaus" existem hoje? Até isso, avacalharam...
Interessante é que, quando eu o encontrava na rua, perguntava: "Como vai, Seu Vacalhau"? Usava, propositadamente o V. E ele respondia amavelmente: - "Bou vaem".

Magno Matheus da Rocha
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