Cresci sem vê-lo direito. Nunca soube exatamente o motivo de poder ver meu pai apenas uma vez por mês.
Talvez tenha sido porque ele e minha mãe casaram-se cedo demais. Talvez porque um dos dois tenha feito algo que desagradou profundamente o outro. Quem sabe não foram as prioridades por eles adotadas na época.
Passei minha tenra infància vendo meu pai com outras mulheres que não eram minha mãe. Isso me machucava muito. Algumas eram muito jovens e apenas repetiam os erros de outras. Não sabiam ou fingiam não saber. Algumas eram divertidas, outras não tinham paciência. Mas todas tinham algo em comum. Não eram minha mãe.
Pela escassez de tempo juntos, deixei de aprender muitas coisas com ele. Coisas que todos os filhos aprendem. Coisas que a maioria dos pais ensina. Para alguns, coisas banais e triviais. Para mim, essenciais e especiais.
Minha mãe nunca me explicou o motivo pelo qual papai não morava em nossa casa. Mudava de assunto, ficava nervosa. Às vezes, percebia que inventava. Uma mãe não deveria mentir ao filho. Na verdade, ninguém deveria mentir sobre sentimentos. Nem sobre coisa alguma.
Sentia falta do meu pai quando chovia forte e trovejava. Tinha medo e precisava de uma voz que me convencesse de que aquilo era apenas uma obra de Deus. Alguém que me dissesse que chuva é vida. Mas minha mãe tinha mais medo das tempestades do que eu.
Qualquer problema em casa e mamãe chamava algum vizinho. Torneira espanada com o courinho despedaçado, resistência do chuveiro queimada ou ralo entupido. E, invariavelmente, o vizinho ficava olhando para as pernas da mamãe. Tudo tem seu preço, assim com a vida aprendi. Lembro-me de que ficava observando o serviço ser feito para que da próxima vez ninguém tivesse que ser chamado.
Dia dos pais era muito triste. Ele vinha me buscar em minha casa, que também deveria ser a dele. No carro, outra moça. Almoçávamos em algum restaurante e depois íamos a algum parque. Lá, ele me soltava para brincar como se eu fosse um animalzinho que precisa treinar as pernas após ficar preso por uma coleira durante muito tempo. E ele ficava conversando e se divertindo com a moça que tomava o lugar da mamãe.
Sei que mamãe fez de tudo para me criar bem, mas penso que ela não era feliz. Uma pessoa feliz não fica chorando escondida nos cantinhos escuros da casa. O choro era baixinho, mas sentido. Talvez arrependimento, talvez uma busca íntima sobre onde teria errado. Talvez reconhecimento de culpa e, com ela, peso na consciência. E há coisa mais cruel do que nossa consciência nos acusando?
Não tenho certeza se devo me considerar um órfão pela ausência de papai, afinal, ele vivo está. Mas convicto estou de que sou um órfão de seu carinho e de sua presença. Se eu apenas pudesse tê-lo mais perto de mim por mais tempo....