O que há com a lua hoje. Não sei dizer, talvez seja seu formato, sua circunferência imperfeita, suas manchas negras, seus segredos. Quanto mistério deve existir neste espaço infinito, o que será que você sabe sobre nós, oh! Rainha da Escuridão. Nós que a vossa face observa complacente, que invadimos seu palco para interpretar nosso curto teatro da vida.
Pergunto-me por que estas questões se passam pela minha cabeça. Porque logo esta noite passei a admirar aquela que encantou o céu noturno por toda minha vida, e só agora pude perceber sua formosura.
Talvez seja uma espécie de solidão. Talvez eu esteja procurando no céu algo que preencha o vazio dentro de mim.
Espere! Mas não há vazio dentro de mim. Ou há? Não importa, pois a hora corre solta quando o pensamento divaga. Já é tarde e amanhã preciso acordar cedo.
Deito-me na cama, fazendo o possível para esquecer minha repentina admiração pelos corpos celestes. Porém minha preocupação logo se dissipa, pois um sonho começa a tomar o lugar da realidade...
Vejo um céu negro, sem estrelas, com apenas a lua no centro. Olhando melhor percebo que não é a lua mas sim uma luz de cores indefinidas; amarelo, azul, branco, lilás. As cores se alteram nesta luz produzindo um maravilhoso espetáculo, que ma dá uma sensação de extrema tranquilidade e harmonia.
De repente o brilho começa a perder intensidade, e a esfera de luz se divide em duas. Ambas com seu brilho próprio, mas este brilho já não transmite mais alegria e sim tristeza. Percebo que, se as luzes não se juntarem de novo... elas se apagarão.
Então o sonho, como todo sonho, muda totalmente. Estou em uma espécie de castelo, vestido como um criado, e nas minhas mãos carrego um carneiro frito. Coloco delicadamente a bandeja em uma grande mesa de carvalho. Em volta da mesa as pessoas, com trajes elegantes, conversam entre si, ignorando minha presença. Exceto uma, que esta me encarando. Olho nos olhos da dama e me impressiono com sua beleza. Mesmo sabendo do perigo que corro ao flertar com os convidados, não consigo desviar o olhar. E, para minha eterna felicidade, ela sorri para mim. O sonho começa a embaçar e quando entra em foco novamente, eu me encontro cavalgando com a bela dama (cujo nome agora já sei) em meus braços. Atrás de mim, dez cavaleiros gritam branindo suas espadas. Quase não sinto a flecha que entra pelas minhas costas por causa da imensa felicidade em que me encontro. E o sonho muda de novo...
Estou andando em uma espécie de praça, o sol brilha no céu, a grama é verde e bem cuidada, as pessoas estão vestidas de maneira estranha, como naqueles filmes antigos. Vejo uma mulher ao longe, com um vestido branco e segurando uma sombrinha, a aba de seu chapéu me impede de ver seu rosto. Alguma coisa nela me atrai, me fascina.
Caminho em sua direção. O chapéu ainda cobre seu rosto quando eu me aproximo. Uma lufada de vento faz a sombrinha escapar de minha mão e parar exatamente entre minhas pernas. Pego a sombrinha e estendo-a de volta para a moça de branco. Lentamente ela levanta a cabeça e me encara nos olhos. Meu coração parece explodir, pois o rosto que eu vejo é exatamente o mesmo que o da dama do castelo. Minhas suspeitas se confirmam quando ela sorri para mim e outra flecha atravessa meu coração, desta vez não é a flecha destinada a mim por soldados furiosos a serviço de um senhor medíocre, mas a flecha do cupido que enche meu corpo de amor e alegria.
Sinto que desta vez a história será diferente, que o amor irá florescer entre nós dois e que caminharemos juntos pela estrada da vida.
Estendo meu braço para moça de branco, que o aceita com alegria. Quando ela me toca sinto a verdadeira vida percorrer meu corpo, sinto que até aquele momento uma parte de mim estava faltando e que agora estou completo. Caminhamos juntos pelo lindo gramado. Então algo estranho acontece.
A paisagem a nossa volta muda frequentemente. A praça dá lugar a um vilarejo, que dá lugar a uma cidade, onde aparecem e desaparecem casas e edifícios. Mesmo neste turbilhão, a linda moça continua de braços dados comigo. Nossas roupas também se alternam junto com a paisagem.
Então eu compreendo. Nós estamos em uma espécie de túnel do tempo. O tempo flui ao nosso redor, gerações nascem e morrem, mas nós continuamos juntos. Nós agora somos um, que deve se separar quando o corpo morre, mas que volta a se encontrar depois, e depois, e depois...
Ela olha para mim com suas feições suaves, com sua inocência, com sua extrema beleza, e diz alegremente: - Acorde! Eu tento dizer algo mas ela repete: - Acorde!
Acordo assustado, o rosto da moça, até então muito nítido em minhas lembranças, começa a desaparecer lentamente. Tento reter a imagem por mais tempo, mas é impossível. Ela se foi, assim como a lembrança de tudo que aconteceu no sonho. Começo a me trocar sentindo uma sensação estranha no corpo e uma suave dor no peito. No fundo do meu subconsciente eu sei que ela está lá, olhando para mim... aguardando, assim como eu, o momento de voltarmos a nos encontrar.