Faço cara de mal, cigarro pendente na minha boca lànguida, posudo, cheio de marra e malícia, olhar flamejante, assim, penso em meter o pé na bunda das banalidades burocráticas da vida. Em seguida resigno-me instantaneamente a minha insignificància e minha inócua presença física perante tamanho desmedido. A briga é injusta, sempre foi. Logo restabeleço minha corriqueira cara, jogo cigarro fora, o olhar se perde no vazio e lamento, feito você, feito todos. Porque quase nunca conseguimos sair da mesmice, da coisa tola, cotidiana, banal? Todos vendendo suas fantásticas verdades e alguns comprando. Eu vendo; e por incrível que possa parecer muitos compram. Fazer o que?
Sexta passada, depois de várias tomadas, me meti a besta e fui numa festa repleta de intelectuais, artistas, puxa-sacos e ambientes retró, petiscos chiques, caras e bocas e papo miserável. Eu lá no meio embriagado, mandando todos a merda. Depois de intermináveis 10 minutos, por vários óbvios motivos decidi descer á rua respirar ar, que mesmo impuro pela realidade da cidade de pedra era melhor que o ar da festa, com um quê aromático de maconha e vinho e incenso e perfumes. Decidi ir andar pra tentar pensar livremente e me livrar daquilo tudo impregnante. No caminho encontrei um mendigo na sarjeta, imundo, barba, podres dentes, cheirando á cachaça, mas com olhar incrivelmente brilhante. Sentei com ele na sarjeta, e começamos a beber as 3 latas de cerveja quente que tinha colocado no bolso disfarçadamente antes de sair daquele paraíso artificial. Conversamos sobre muitas coisas, e com certeza mais escutei que falei; coisa rara, mas peculiar a quem sabe seu lugar numa conversa de alto nível. Revigorei-me e depois, um pouco mais vivo, voltei ao mundo dos mortos e prisioneiros do disse-me-disse.
Fui percebendo aos poucos, novamente que aquilo não era pra mim. Cigarrinho na ponta dos dedos, olhar vagaroso assim como todas as palavras insossas, bebericavam delicadamente licores coloridos enquanto alguns sentados educadamente de pernas cruzadas emitiam sons estranhos entre risadas cheias de dentes e poses de bon vivant. Eu quase escondido tentava passar despercebido, circulando freneticamente em busca ávida de ar, de desgraça, de profundidade, de vida. Fui notando que todos começaram a reparar em minha indecente estranheza humana, como um bicho acuado que pede socorro. Viram dentro de meus olhos a falta de lugar, a falta de identidade com o local, com as pessoas, com a música, com o licor. Tentaram me salvar, oferecendo-me cerveja, pinga e torresmo, mas de nada adiantou, já estava no corredor da morte e nada poderia me consolar naquele momento. Enquanto achavam que a vida era somente aquilo, fui perdendo a minha, indefeso e incompreendido. Vi meu último suspiro se escoar pelo ralo ao deparar com a falta de amor em tudo, em quase absolutamente tudo.
Virei 2 copos de cerveja quente que encontrei em copos antigos na pia na cozinha. Nem disse adeus, apenas saí. Na rua era tudo mais sensato, mais humano. Corri com as ultimas forças que me restavam e dobrei a esquina. Na avenida principal encontrei novos mendigos e com eles sentei. Era tudo mais real, mais verdadeiro. Depois de poucos minutos eles me abraçavam com amor, com dignidade. Bebemos, conversamos, dançamos, cantamos, e tudo foi mágico. Paguei comida e uma cachaça a todos e fui embora, voltar ao meu mundo solitário mas cheio de multidões, maluquices e alegria em inúmeros momentos específicos mas que fazem realmente a diferença.
Evitem esse tipo de festa, meus caros, é demasiado triste pros sensíveis tal qual uma rocha como eu. Busquem os que sem saber podem te ensinar algo digno, importante, sem sequer se esforçar pra isso.