E lá vem ele de novo. Fudeu. Eu estava sentado no bar, bebendo minha cerveja, fumando meu cigarro, fingindo que estava pensando algo sensato, olhando aqui, ali, passando o tempo de bobeira, sozinho mas não solitário, apenas uma opção entre tantas. E lá vem ele, meu deus. Seus olhos são de uma imbecilidade extrema. Parecem 2 bolas de gude insensatas, desumanas, horripilantes. Baixei a cabeça, quase até o chão pra sumir dali como uma avestruz faz, mas não deu, ele me viu. Fudeu. Chegou e deu uma daquelas porradas nas costas do tipo: e ai amigão! Caralho, que merda. Sentou, pediu um copo e eu ali, como se não fosse nada, como se quisesse sua presença. Levantei a cabeça e me assustei, ele estava a um palmo da mesma rindo, mostrando todos os dentes, parecia feliz com alguma coisa idiota qualquer. E aí cara! Eu disse. E aí cara! Ele também disse. Senta aí! Eu disse. Já sentei espertalhão! Ele disse. Fudeu.
Tinha decidido sair pra beber uma cerveja sozinho aquele dia. Não queria ninguém. Digo ninguém mesmo. Se eu pudesse me enfiaria num bueiro sozinho só pra tomar minha cerveja e ir embora. E aí cara, fiquei sabendo que tá rico hein, hahahahahahaha! Ele disse. Se eu tivesse rico pagaria pra você ir embora o quanto quisesse, era só falar o preço. Eu disse. E ele ria, ria muito mesmo, descontroladamente, histericamente, como se fosse realmente engraçado. Virei meu copo, pedi outra cerveja, uma pinga, um torresmo. Ele pediu exatamente o que eu pedi. Que cara sem criatividade. Aí começou: cara, vou votar na Heloísa Helena como protesto! Não quero nem saber, vou barbarizar! Me dá licença, vou votar lá no banheiro e já volto! Eu disse. Uns 15 minutos depois eu volto e ele está lá, esperando. Fudeu. Cara, tocou seu celular e eu atendi! Disse ele. É mesmo? Então porque não foi comigo no banheiro me ajudar a limpar a bunda também? Perguntei. Ele ria, alto, cada vez mais alto. Você ficou sabendo que o fulano comeu a beltrana? Disse ele. Não cara, não fiquei, to por fora, to sempre por fora cara, esqueceu? Virei meu copo.
Camisa do Che Guevara furada no sovaco. Cabelo milimetricamente desarrumado, cada fio pensado, ensaiado, revoltado sem ser. Com uma putinha drogada a tira colo, que não falava, não pensava, só mete e reclama de televisão e o admira como o novo Mao Tse Tung ocidental comedor inveterado de Mc Donald´s e Dunkin Donuts. Fala de revolução, de desenvolvimento social, de marxismo, teorias conspiratórias, globalização como se pusessem a Xuxa pra me contar a história da revolução russa através do ponto de vista dos proletários. Impossível suportar ou acreditar. De repente a ameba inanimada da namoradinha dele, que parecia ser controlada a base de morfina resmungou algumas palavras inaudíveis pra mim, mas pra ele não. Logo levantou a sobrancelha o máximo que podia, pós a mão no queixo, olhou ao seu redor como se não acreditasse e disse: cara, você não está gostando do papo né? Nesse momento pareceu que tudo fez sentido, que a lua baixou, ficou alva e serena, linda, as pessoas começaram a flutuar, dançar, cantar, vi gnomos e duendes, vi também uma puta desdentada na esquina me mandando um beijinho sexy. Havia sensatez naquela coisa estúpida de coturno, camisa da Avril Lavigne, olheiras e batom borrado. Deus se fez presente naquele exato momento. Eu estava livre.
Levantaram, bravos, machucados, sofrendo, morrendo, apenas tristes. Olhou pra mim e disse: caras como você que fode o mundo! Como igual a todos os minutos em que ficou sentado não disse nada, só virei meu copo pela vigésima sexta vez. Ficou parado esperando alguma reação. Nada. Juro, vi uma lágrima escorrer de seus olhos de uma imbecilidade extrema. Achei que aquela coisa maluca não seria capaz nem de produzir uma lágrima sequer. Virou as costas, batendo o pé forte e decidido e começou a andar. O chão até tremia, aí soltei: eu, filhote de Che, vai sair sem pagar nada? Aí sim, chorou de vez por exatas 24 horas seguidas agarrado ao seu ursinho de pelúcia enquanto sua namorada escutava Janis Joplin e fumava Free Ligth mentolado.