Dizem por aí que quem fala demais dá bom-dia a cavalo. É, comecei esta crónica com uma frase feita. Um atentado à beleza estética, diriam os puristas. Pode ser, mas não encontro nada mais apropriado para expressar exatamente isto: o silêncio me alimenta e sacia a minha fome de palavras.
Conheço gente que fala mais que o necessário. Gente que inunda o ambiente com palavras vazias. Gente que carrega o ar com palavras gordas. Gente que ocupa o espaço com palavras ocas. Gente que escreve a vida com palavras várias. Gente que afoga nossos ouvidos com palavras espinhosas.
Conheço gente que esbanja palavras. Gente que conta quarenta anos de vida numa viagem de carro de duas horas. Gente que escancara sua intimidade em intermináveis ligações celulares em lugares públicos. Gente que despeja mil maledicências em um minuto de aparente diálogo. Gente que chora milhões de palavras num desabafo imposto numa conversa de bar. Gente que ocupa não apenas nossos ouvidos, mas nosso olhar, paladar e tato, com verbos, cores, cheiros e toques que nos sufocam. Gente que transforma nossa caixa de emails em penico de seus bytes verborrágicos.
Insensível, alguns dizem que eu sou. Talvez porque não invista em palavras apenas para acalentar o ego do outro. Inexpressiva, outros dizem que eu sou. Talvez porque não compreendam que quem tem frase de vidro, como diz Gullar, não joga crase na frase do vizinho. E como tem gente hoje em dia jogando crase, mesóclise e anacoluto no ouvido do outro!
É gente que fala demais mesmo! Dá bom-dia, boa-tarde e boa-noite a cavalos e lagartos porque quer encontrar uma acolhida para suas palavras atropeladas, mesmo que seja uma hipócrita acolhida. Sei que essa gente faladora vai chiar, talvez até usar as palavras de Luther King, que disse que o que o preocupava não era o grito dos maus, mas o silêncio dos bons. Mas os silenciosos como eu sabem que o silêncio a que me refiro não é esse. É outro. Bem mais cotidiano e social, e não político e reacionário. Afinal, temos sempre um conhecido ou familiar que fala pelos cotovelos. Que sempre nos cansa apenas com sua iminente aproximação. Que nos irrita com sua pseudo-análise político-partidária da situação atual (que situação é essa, sinceramente, eu, que falo pouco, não tenho a mínima idéia!!).
Dizem que as palavras nos definem. O silêncio também, e é ele quem me define, quem dá contorno à minha vida. E assim vou, falando pouco e me afogando no meu silêncio em vez de reconfortar gente de palavras sem freio.