Tormentas agitam o mundo, vagalhões açoitam as costas de países inteiros, como ficar imune ao mundo vasto que se desenrola no lá fora?Enquanto milhões sofrem, olimpicamente nos voltamos ao nosso umbigo, em meio aos sedimentos fétidos do lodo que sobe das entranhas do desgoverno e no lá fora poucos se salvaram enquanto a verdadeira vítima da retórica imperial aparece nas vozes roucas que agora não entonam hinos nem lindos blues, mas sim a tristeza infinita da perda de tudo o que há de mais valioso, de todos os bens, de toda a dignidade enfim que ainda havia.Nem bens mais importam, dói ver as mães tristes e seus filhos espalhados, mães que não mais voltam, famílias chafurdando na lama imunda de chumbo/gasolina/fezes/esgoto/gases que escoa pelas ruas da outrora capital do fabuloso Mardi Gras. Nunca estive lá, meu amigos, nunca pisei sequer naquele país que encerra tantas contradições, que tem um presidente racista (como foi seu pai) no comando e que falhou ao mobilizar tardiamente recursos que poderiam ter salvo mais vidas ou mais gente, mas quem somos nós para julgar os desígnios de uma superpotência? Olhamos estarrecidos para os vídeos da luta das pessoas diante do abominável fenómeno que se abateu sobre elas, olhamos como as ondas invadiram hotéis e praias e submergiram quase que toda a cidade de New Orléans, olhamos para o mapa do mundo e estarrecidos pensamos: E se fosse aqui? Neste país que mal se aguenta nas pernas, que se enrola feito verme em torno de um congresso corrupto, que se envergonha de suas próprias raízes, que não se detém, nem um minuto, para pensar no terrível destino que parece ter se abatido sobre aquela cidade que bem poderia ser uma das nossas, tal a quantidade de pobres, negros e desassistidos que ela possui ao relento...Nova Orleans. Tomemos este momento como exemplo, um exemplo de coragem, não do frágil governo Bush, não do formidável poderio da potência americana decadente, mas do povo que enfrenta tudo isto e vai reconstruir a cidade, ah vai, porque isto não podemos negar, os americanos têm raça. Mais do que seu peculiar presidente, esta cidade está acima de todos os desafios e eu tenho a certeza de que em breve, os fogos de Mardi Gras voltarão aos céus da cidade que tem o Jazz e o Blues nas veias. Eu poderia ajudar com dinheiro? Poderia fazer uma corrente para ajudar o povo americano? Poderia vender meu carro e mandar o dinheiro para o povo sofrido que se comprime nas águas nojentas das ruas de New Orléans? Não. Isto é competência do fraco Bush, que sabe desafiar os pobres da terra, com suas formidáveis fragatas armadas de todos os tipos de foguetes, mas não sabe, nem um pouco, o que fazer para ajudar o seu país numa hora em que sua presença, simplesmente, seria crucial para alocar recurso rápidos aos famintos do desastre. Quiçá eu esteja errado nesta minha observação, mas ou muito me engano, ou isto é um sinal da evidente fraqueza do poderio monolítico dos EUA. Este país precisa deixar de ser xerife, arregaçar as mãos e voltar a ser o construtor de novas eras, ultrapassando as barreiras de seu próprio inferno para salvar o que resta de sua própria alma.