Olhou-se no espelho procurando encontrar a fisionomia jovial, o rosto liso, os cabelos escuros, a expressão de alegria, mas só pode ver um rosto marcado pelos anos e pelo sofrimento, os cabelos ralos e grisalhos, uma expressão inescondível de tristeza.
O que aconteceu ontem a noite? O que trouxe assim tão repentinamente este semblante envelhecido?
Teria sido a insónia? O medo? A aflição? O peso enorme da solidão?
Mas, aquilo tudo era uma filme conhecido, afinal, sua vida, desde há muito, consistia naquele quadro de angústia, de pànico, de tormentosa solidão.
Onde estavam o brilho do olhar, a confiança, a altivez, o sonho, os planos todos de ser feliz?
Parecia que o mundo tinha caído sobre seus ombros cansados e inacapazes de suportar o peso monstruoso.
Lavou o rosto com água fria, olhou-se novamente e, num milagre inexplicável(será que é possível explicar algum milagre?)viu-se outra vez com o rosto procurado: liso, expressão de alegria, olhar cheio de brilho, cabelos escuros, cheio de confiança, planos efervescentes, enfim, com a vida toda arrumada, preparado para ser feliz.
Medo? Esta palavra não existe. Solidão? Se ela está presente em sua vida, como falar de solidão.
Deve ter sido pesadelo, um sonho ruim, uma ligeira alucinação.
E, cantarolando, tomou uma chuveirada, vestiu-se com o aprumo de sempre, abriu a porta, recebeu no rosto a brisa leve da manhã e um beijo morno do sol de verão... e foi confiante enfrentar mais um dia de trabalho.