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Cronicas-->De Propósito -- 17/11/2006 - 23:36 (flavio gimenez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vou confessar, foi de propósito que eu atirei o corpo para a frente, na hora do impacto inverossímil. Eu não esperava, mas você veio, arfando, olhando para e pelos cantos e eu me encantei, foi só isso. Portanto, foi de propósito que parei, estanque, vendo sua passagem, seu poder de sedução, foi de propósito mesmo. Fui eu, fui eu sim, que atirei as letras como as de uma sopa no ar. Você as pegou? Nem sei, passou, devera, passou e simplesmente...Esqueceu. Vou confessar, fui eu que vi, fui eu que tentei, mas foi de propósito, subi o tom do desafio. Meras palavras não medem sonhos, você diria depois, meros sonhos são faces da luz divina. Mas fui eu que espalhei as contas de vidro no ar, á sua passagem. O vento frio não me desanimou, nem a aragem fria da manhã de julho. O desafio fora lançado e não hesitei um segundo, mas você? Nem viu o tamanho, nem se importou com as coincidências, nem abriu sua mente obtusa ao óbvio. Foi de propósito, repito, que lancei o grito, mas abafado o som mal saiu de minha boca, meu peito se escondeu num gesto triste e eu esqueci a última estrofe, tal qual haviam me ensinado os manuais de boa dicção, então o melhor que tinha a fazer era calar naquele momento e você nem imaginou que a sopa de letras, o desafio em tom maior, a aragem da manhã de julho, as contas de vidro esparsas nos corpos das ruas, o impacto inverossímil, tudo fora feito com o firme propósito de fazer você ver, o quanto somos pequenos, o quanto é finito seu olhar mesquinho, foi de propósito que escrevi as mensagens ocultas e cifradas nas nuvens do jardim de inverno, foi com o firme propósito que balancei o corpo ao vento de julho e me esmerei ao canto das árvores, mas qual o quê, nem sei qual delas se parece mais com você em suas nervuras lenhosas, qual o quê, nem sei de onde partem tantos gemidos, nem sei dos gatos que habitam os telhados de sua fronte, ou melhor sei, mas foi de propósito que fiquei de pé, em cima de um muro, a tremer enquanto passava o motivo de meu sonho, enquanto a realidade se adaptava ao olhar reluzente da manhã, na morte natural da noite vazia, no copo com cheiro de vómito, no vaso sanitário de louça velha e suja, qual o quê, você nem viu nem vê nada, não passa de uma mirada, não passa de uma aragem desalinhada ou de uma miragem num oásis de nada, qual o quê, foi sempre de propósito que eu falei de você a quem quer que seja, foi assim desde sempre e você mais nada, solene lembrança de tempos diversos, de sons desadaptados, de disforias desmesuradas, de distopias excessivas, de palavras complicadas e de vazio significado. Vou confessar, foi de propósito que me atirei a você, numa entrega quase carnal, num exercício de línguas ardentes, numa procura de fundos e fontes, foi com vontade que caí do muro e pensei me perdi, qual o quê, você passou num segundo, os cabelos em louco desalinho, meu rosto agora exposto na rua, o espelho em todas as esquinas, foi de propósito então, foi sim, foi de propósito que atirei em você.
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