ACORDAR... PARA QUÊ ?!...
Quantas vezes, em vista de se lograr um determinado alicerce onde se assente com assegurada continuidade um dado objectivo, por mais tempo que se aplique e mais voltas que se intentem dar ao raciocínio, não se consegue uma nesga de luminosidade que intimamente satisfaça o desiderato almejado? Todavia, dias ou meses adiante, em inopinado lance de mero acaso, a ideia que anteriormente se buscou e rebuscou surge, sem mais e tal como se queria, plena de promissão e enfim pronta a usar imediatamente.
Como enuncio, também a base sedimentar desta crónica, desde já com projecto para outras sequentes escritas, se me deparou inesperadamente ao correr do rotinado fio do meu quotidiano e, hossana, só eu sei e os astros sabem quanta indignação e revolta perpassei, quase-quase a dar grossa borrasca, para que o "Futuro no Horizonte", num esplêndido abraço, me iluminasse o pensamento. Neste ensejo, porque, em muito útil e pedagógico exemplo, considero valer mesmo a pena, vou descrever a ocorrência que doravante me impulsionará noutras e variadas deambulações.
Sábado, 25 de Outubro deste tão desengraçado ano 2006, saltei da cama cerca das 11 horas da manhã, após um sono tranquílo e assaz reparador. Dentro do habitual trajecto de meus passos, arranjei-me, matei o jejum com um copo de sumo de laranja, acendi o meu cigarrinho e saí para a rua, indiferente ao vendaval de chapa rolante que dia a dia, por todas as formas e feitios, vai matando estupidamente milhares e milhares de pessoas sem que ninguém, entre a cancerosa montanha de hipocrisia que milita em inócuo blá-blá, faça deveras algo para pelo menos suster a galopante tragédia que silenciosa e sub reptícia avança.
Após uma noite fortemente chuvosa e vento intenso - os residentes da Ribeira estão neste momento com a água até à cintura - enquanto airosamente descia a rua de Camões em direcção à praça General Delgado, desde logo me admirei que o dia me recebesse de braços abertos e rosto de sol radioso. Ia com destino à "On Web" para tomar um cafezinho e ao mesmo tempo aproveitar para ver o que haveria de novo em meu e-mail.
No ciber-café estavam quatro-cinco pessoas desconhecidas e eu sentei-me ao computador, fumando e tomando um saboroso café. Daí a pouco entrou um cidadão africano, alto, largo de ombros, um matulão que, após munir-se da ficha de utente, numa sala onde havia quarenta computadores vagos, optou por sentar-se a um metro de mim, mesmo defronte ao sítio em que eu estava. Daí a pouco, incomodado com minhas fumaças, disse impositivo, abrupto e com cara de leão pronto a ferrar, exactamente: " - Tira daqui o fumo...". A partir desta expressiva pérola africana, os Leitores perdoem-me a verborragem, mas vou ser em absoluto linear na transmissão do abespinhado diálogo e cena de se lhe lançar pedras sem qualquer arrependimento.
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- Tiro daqui... O quê?...
- Tira daqui o fumo...
- Eu tiro é a grande puta que te pariu, ó encefalóide do caralho...
- Quê... O que é que estás a chamar-me?...
- Vai tratar por tu o grandessíssimo corno do teu pai, ó pedaço de carvão apagado...
Nesta altura, já o Filipe, o gerente de serviço, estava a intervir ao nosso lado para amainar tão extra-internético confronto, o que conseguiu após apelo peremptório, tendo o cuidado de se mostrar equidistante da razão ou não razão das partes. Calei-me pois decididamente, mas de todo em amordaçada tensão com uma vontade enorme de explodir. Como eu naturalmente continuasse a fumar, o preto (para mim tinha deixado de ser cidadão), de olhos arregalados, como se fosse atirar-me com o computador para cima, acotovelou-se ameaçador fixo em mim. Mais uma vez não me sustive e disse-lhe: - O que é que queres, pá?... Estás a meter-me medo com os olhos?... Não me faças dar um peido, senão cego-te. O Filipe voltou de novo para não deixar a fervura levantar a tampa... Bem, pior do que burro alentejano aos pinotes, levantei-me de sopetão e fui servir-me de outro computador vago no fundo da sala. Foda-se - cogitei com os meus botões em desabafo para dentro - arre, apre, os manhosos-remanhosos da política foderam esta merda toda.
Entretanto, o tempo foi passando e a irritação foi-se diluindo. A pouco e pouco o meu automático sensitivo punha-me de regresso à razoabilidade, mas sem contudo tirar-me do pensamento a incisiva questão que há uns tempos a esta parte renitente se me põe: se estou num dado local a fumar tranquílo porque é que há-de vir sempre um "filho-da-puta" meter-se comigo por causa do fumo? Sei, e disso tenho a certeza que sei, que os estúpidos, imbecis de elevada monta, que se metem nesta actual paródia sofismática, a partir de mim, vão ter um cuidado do caraças sempre que lhes surja situação idêntica. É esse, de resto, o serviço que presto ao futuro. Diz-se há dois séculos que "Quem está, está; quem vai, vai.". Não é pois o meu actual primeiro-ministro, um imbecilóide hodierno mais hipócrita do que a hipocrisia, que vai alterar uma lei que a mais que experimentada pele-das-gentes instituiu e implantou. Para já, o senhor engenheiro José Sócrates apenas conseguiu uma coisa linda-linda: colocou fumadores e não fumadores em iminente via de facto, mais uma esconsa peripécia do socialismo-capitalista que decorre enquanto não morre, e morrerá porque o anidrido carbónico em avantesmo escape vai matá-lo. Vai possivelmente ter de ressuscitar com outro nome, talvez como caridade-capitalista logo que os pobres sejam todos ricos.
E assim nasce "Futuro no Horizonte", uma inesperada claridade advinda da permanente escuridão onde se acoitam os deuses do egoismo cínico que tolhem os dias em decurso com os nada-de-nadinhas que se conglomeram e formam a horrenda hidra que em mais e mais cabeças desponta todas as manhãs.
António Torre da Guia |