Vocês não têm idéia do que eu faço para viver. Acordo de manhã e um sorriso me lembra, estou vivo, um sorriso forçado, mais forçado ainda depois do escovar dos dentes e do passar das águas nas gengivas. Vocês não têm idéia do que é isto, passar as águas na gengiva. Aí, eu subo ao quarto e encontro minha mulher desnuda, vocês não têm idéia do perfume que ela exala, misto de sàndalo, almíscar e frutas raras, um perfume que ao abrir os lençóis, inunda a casa que é nossa morada há anos. Vocês nem imaginam o quanto trabalhamos, de sol a sol, para conseguir esta casa, nem estas meninas formadas, uma em agronomia, outra em letras(que idéia!) e outra em mágicas e prestidigitações(esta vai dar em algo, talvez em Brasília). Vocês não têm idéia do quanto nosso quarto é iluminado, posso dizer que eu olho e as janelas descortinam o paraíso, claro, cristalino e mavioso, como o càntico dos pássaros a essa hora da manhã, que dificuldade falar mais alto que eles e perguntar à minha amada, deitada com um sorriso em sua boca entreaberta:
--O café você quer que eu traga aqui ou desce comigo ao jardim-de-inverno? Lá com certeza está mais fresco e agradável.
Vocês mal podem esperar para saber que a resposta dela é dita entre-dentes, num pálido e abafado sussurro:
--Porra, me deixa dormir!
Ah, vocês não têm idéia.