Estava, há alguns minutos, escrevendo palavras de homenagem à chegada do Novo Milênio. Finalizado o texto, já revisado e satisfatório, abri outras janelas, esquecendo-me de "salvar". Procurei, voltei, retornei... E nada! Perdi, irrevogavelmente, tudo o que, com tanto sentimento, havia escrito.
E o pior é que jamais me lembro do que escrevo.
Senti como se tivesse perdido um pedacinho de mim. Tanto empenho, tanto carinho na escolha das palavras, frases...
Lembrei-me de, ainda criança, quando minha mãe contava um fato ocorrido no interior. Meu avó possuía uma fazenda, onde criara todos os filhos, que iam casando e morando por lá mesmo.
Certa feita, minha mãe foi mostrar-nos um bezerro que havia nascido ( éramos três irmãs, todas pequerruchas). Distraída a mostrar-nos recém-nascido, ela nem percebeu que minha irmã do meio, afastou-se em direção ao riacho, cheio naquela época de inverno. Quando minha mãe percebeu, ela já estava debruçada, tentando alcançar um galho de árvore e caiu, sendo arrastada pela correnteza. No auge do desespero, mamãe gritava, para quem pudesse ouvi-la do outro lado da colina, por onde passava o rio. Alertados pelos gritos maternos, alguns homens acudiram minha irmã, atirando-se ao rio e, com o próprio corpo vedando a passagem daquele "pinguinho de gente", já quase morta de pavor e geladinha...
Enquanto nos contava isto, seus olhos enchiam-se de lágrimas e ela dizia:
- Quando vi minha filhinha, indefesa, ser arrastada pelas águas impiedosas, senti como se um pedaço de mim se soltasse. Mas Deus é tão misericordioso que colocou anjos disfarçados de homens para resgatá-la.
Ela, então, nos ensinou que quando estamos prestes a perder alguém querido, é que conseguimos avaliar o que representa para nós a vidinha dele.
E olhando para a minha irmã, no momento já mocinha, disse suspirando:
- Se as águas conseguissem roubar-te de mim, eu não estaria agora olhando esses olhos tão castanhos e brilhantes, e esse sorriso que faz iluminar os meus sonhos... E estaria me faltando um pedaço, eternamente.
Diante das reclamações ciumentas, minhas e de minha irmã mais velha, ela explicou:
- Calma... Calma... Eu fito nos olhinhos de vocês duas e também o sorrisinho, que para mim são como estrelinhas dentro da noite e agradeço a Deus por não ter sofrido a perda de mais "dois pedacinhos de mim"... Ou vocês não sabem que, mesmo quando o meu corpo tiver de deixar este mundo, por já estar velhinho e cansado, é como se eu continuasse a viver em vocês?
Sim. Pois o meu corpo está dividido em três meninas maravilhosas, que jamais deixarão que seus "pedacinhos" caiam num rio, nem se dispersem por aí.
Que lembrança maravilhosa, eu pude ter neste FINAL DE MILÊNIO, motivada pela perda de um texto que esqueci de salvar...
Só desejo que a mamãe saiba, lá no céu, que os seus três pedaços estão aqui, cuidando muito bem de seus pedacinhos felizes...
UM FELIZ NOVO MILÊNIO PARA TODOS, NAS LEMBRANÇAS MAIS GRATAS QUE CADA UM PUDER TER...